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Convenção veta comércio no Estoril

Marcele Tonelli
| Tempo de leitura: 5 min

Em decisão inédita na cidade e a favor de um grupo de moradores do Jardim Estoril, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que a Prefeitura Municipal de Bauru deve cassar a licença que concedeu, em 2011, a uma casa de repouso instalada no bairro.

Em seu parecer, a 8ª Câmara de Direito Público do TJSP, por meio do relator João Carlos Garcia, considerou procedente o mandado de segurança com pedido de liminar, decidindo que as normas convencionais existentes em um contrato de compra e venda do loteamento, datado de 1932, e assinado pelo então comendador José da Silva Martha, devem sobrepor-se à lei de zoneamento do município - que abre brecha para a instalação de estabelecimentos  do tipo e até de corredores comerciais em bairros estritamente residenciais (classificados como R-2).

A decisão, obtida em segunda instância, foi proferida em janeiro deste ano. Como a matéria transitou em julgado em abril, extinguiu a possibilidade de recurso aos proprietários do estabelecimento, que resolveram deixar o bairro.

O fato é que, apesar de ter como objeto as quadras 17 e 18 da rua Alfredo Ruiz, o caso preocupa a prefeitura (leia mais abaixo), que já prevê a possibilidade de uma reação em cadeia de processos do mesmo tipo em outros bairros.

A ação

O mandado de segurança foi movido contra a prefeitura em julho de 2011, poucos meses após a instalação da casa de repouso na quadra 18 da rua Alfredo Ruiz, no Jardim Estoril. Tinha como requerentes quatro moradores das quadras 17 e 18 da rua em questão.

Na primeira instância, o pedido foi considerado improcedente pela juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública em Bauru, Elaine Cristina Storino Leoni. Ela considerou que a lei de zoneamento permitiria no bairro a instalação de estabelecimentos como escolas, asilos e igrejas, por exemplo.

Na ocasião, o Ministério Público não havia se manifestado sobre o assunto, por entender que havia ausência de interesse público. Os moradores decidiram recorrer da decisão.

“A instalação da clínica no bairro trouxe uma circulação intensa de pessoas estranhas por ali. São famílias e moradores de idade já avançada. E aquele é um bairro nobre, o que acaba despertando certa atenção e pode trazer riscos”, afirma o advogado dos moradores do Estoril, Alessandro Bezerra Alves Pinto.

Entendimento

Na ação, o TJSP considerou a cláusula existente no contrato de compra e venda do loteamento, estipulado pelo comprador, o então comendador José da Silva Martha. “A casa, com suas respectivas dependências, se destinará exclusivamente à moradia de uma única família e seus criados. Fica proibida, portanto, a construção de prédio para habitação coletiva, assim como adaptação da casa para fins comerciais”, diz o documento, datado de 1932.

Em seu parecer, o desembargador cita ainda que, “por mais nobre que seja sua atividade, a casa de repouso não guarda vínculo algum, funcional ou espacial com o uso estritamente residencial de moradias unifamiliares do loteamento em questão” e que “as inovações da lei devem respeitar a proteção do patrimônio urbanístico e do meio ambiente instituída pela norma convencional”, dando provimento ao apelo e à cassação da licença.

Defesa

Advogada da casa de repouso, Yara Ribeiro Betti Gonfiantini, conta que os proprietários do estabelecimento desistiram de recorrer da decisão em uma terceira instância.

“Optamos por não interpor novos recursos por conta de todo o desgaste. Solicitamos um prazo de 90 dias para encontrar um novo local, até porque a clínica possui certo padrão. A mudança deve ocorrer nas próximas semanas”, diz a advogada. O novo endereço não foi informado.

A clínica em questão realiza atendimento personalizado de aproximadamente dez idosos, que residem no local.


Lei de zoneamento

A Prefeitura Municipal estuda há quatro anos uma nova lei de zoneamento urbano. Considerada defasada pela própria Seplan, a legislação - aprovada em 1982, quando apenas 186 mil viviam na cidade - possui diversos pontos contraditórios como, por exemplo, a permissão de instalação de certos estabelecimentos em zonas estritamente residenciais.

“Temos vários problemas, mas esperamos resolvê-los com a nova lei. Acho que, até o final deste mês, ela irá para Câmara”, frisa o titular da pasta, Paulo Ferrari.

Em maio deste ano, o JC noticiou que a Justiça vetou 40 corredores comerciais em Bauru por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. A ação em questão considerava o fato de que as leis municipais que estabeleceram as ruas como corredores comerciais ao longo da historia da cidade, junto à lei de zoneamento, são inconstitucionais por não terem abarcado a participação da população na discussão das diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

Em tempo: a quadra 18 da rua Alfredo Ruiz está entre os 40 corredores comerciais vetados pela Justiça.


Decisão judicial no bairro já preocupa a prefeitura

A decisão preocupa o município, uma vez que o julgado abre a possibilidade para que moradores de outros bairros residenciais da cidade ingressem com medidas semelhantes.

De acordo com a Seplan, ao menos, seis outros bairros de Bauru teriam essestipo de convenções, além do Jardim Estoril. São eles: os Jardins Estoril 2, 3, 4 e 5; o Jardim Dona Sarah; e a Quinta da Bela Olinda.

Secretário da pasta, Paulo Ferrari defende, no entanto, que o bairro alvo da ação representa um caso isolado. “A Seplan já não emite alvará no Estoril e em outros bairros que são estritamente residenciais. Essa permissão foi anterior à minha gestão”, afirma.

“De qualquer forma, uma nova lei de zoneamento está sendo finalizada e, nela, vamos considerar as regras dessas convenções mais antigas dos bairros”, reforça o secretário.

Já o prefeito Rodrigo Agostinho (PMDB) se posiciona de forma mais enfática sobre o assunto.

“Com o tempo, os bairros vão mudando seu perfil. E a legislação tem que atualizar essas regras. Não estamos falando de uma serralheria ou de uma casa noturna, mas sim de uma casa de repouso”, pontua. “Em minha opinião, todo bairro deveria ter uma mercearia, uma padaria e uma farmácia. Estamos falando de um bairro aberto e não de residencial fechado”, reforça o prefeito.

Após saber do posicionamento de Rodrigo, o secretário da Seplan reavaliou o discurso. “O assunto é complicado. É preciso pesar o que vale mais: uma convenção antiga ou o desenvolvimento da cidade?”, questiona Paulo Ferrari.

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