Fotos: Arquivo Pessoal |
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Marcas deixadas após adolescente seguir receita de Internet e aquecer ingredientes no fogão |
Salitre. Uma substância aparentemente inofensiva, utilizada como fertilizante agrícola e vendida sem restrições em lojas do ramo. O produto, contudo, pode ser utilizado para a fabricação de explosivos e, se manipulado de maneira inadequada, pode provocar acidentes graves.
Foi o que já ocorreu com algumas crianças e adolescentes em Bauru e voltou a acontecer na semana passada, no Núcleo Mary Dota. Jhuan Carlos Alessandro de Freitas, 13 anos, sofreu queimaduras de segundo grau no rosto e em uma das mãos após ser atingido por uma explosão gerada por uma mistura de salitre, açúcar e bicarbonato de sódio.
A vítima não corre risco de morte e não deve sofrer sequelas, mas poderá ficar com o rosto marcado por cicatrizes para o resto da vida. O tio Marcos Augusto de Freitas conta que o menino pretendia assustar os amigos e encontrou na Internet um vídeo que ensinava como produzir, em casa, uma bomba de fumaça.
“Ele estava se preparando para um retiro espiritual, que ocorreria na semana de Carnaval. Queria pregar uma peça nos amigos e resolveu preparar a mistura antes, para ver se dava certo”, conta. Sozinho, Jhuan foi até uma loja de produtos agrícolas e conseguiu comprar salitre do Chile, tipo conhecido por ter maior concentração de nitrato de potássio.
Na noite da última quinta-feira, na casa em que ele vive com a avó e o tio, no Núcleo Mary Dota, o garoto seguiu a receita que viu na Internet e aqueceu a mistura com os três ingredientes no fogão. Como a massa não crescia como a do vídeo, ele se aproximou da panela para verificar o que poderia ter dado errado com a fórmula, quando houve a explosão.
O tio não estava em casa e a avó tomava banho no momento do acidente. Até que ela conseguisse de trocar e tomar conhecimento do que havia ocorrido, vizinhos já socorriam o menino, que estava bastante ferido no rosto e não conseguia enxergar.
Consequências
“A casa estava tomada por uma fumaça branca e o Jhuan gritava”, conta Marcos. Os vizinhos levaram o menino para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Bela Vista e, em seguida, ele foi levado ao Hospital de Base. No dia seguinte, o paciente foi transferido para a Unidade de Tratamento de Queimaduras (UTQ) do Hospital Estadual (HE), onde permanecia ainda ontem.
“Ele foi atingido do nariz para cima. Teve toda pele, parte do cabelo e a sobrancelha queimados, além da mão direita. Mas, hoje (ontem), já estava enxergando bem, apesar de ainda estar bastante sensível à claridade”, comenta o tio.
Recuperação
De acordo com a cirurgiã plástica e supervisora médica da UTQ, Cristiane Rocha, Jhuan poderá receber alta até o final desta semana, caso a evolução de seu quadro de saúde permanecer no mesmo ritmo. “Ele ficará pelo menos um ou dois meses afastado da escola e de qualquer atividade diária fora de casa. Para ter uma boa cicatrização, terá de evitar a exposição ao sol, mas, mesmo assim, poderá ficar com marcas permanentes”, observa.
A médica conta que o HE já recebeu outros casos semelhantes – inclusive mais graves – e que, quase sempre, as vítimas são crianças e adolescentes que, assim como Jhuan, pesquisaram na Internet sobre como produzir a bomba da fumaça. “Eles são muito curiosos e têm acesso fácil às informações. Infelizmente, é um tipo de acidente que ocorre bastante e que pode provocar lesões graves nos olhos e nos pulmões e comprometer os movimentos das mãos e dos músculos da face”, alerta.
A recomendação aos pais, segundo ela, é uma só: orientar os filhos sobre os riscos e, em hipótese alguma, permitir que eles manipulem este tipo de substância.
Embalagem não faz alerta sobre riscos de ‘combinação explosiva’
O tio de Jhuan, Marcos Augusto de Freitas, relata que a embalagem de salitre não alerta sobre o risco de explosão caso for aquecido com açúcar e bicarbonato e que, da mesma forma, quase todos os vídeos que ensinam a fazer a receita de bomba de fumaça também não prestam qualquer tipo de orientação neste sentido.
“É uma grande irresponsabilidade. O que aconteceu com ele pode ocorrer com qualquer outra pessoa”, reclama.
A venda de salitre, contudo, não é controlada por se tratar de um produto comum, utilizado como fertilizante agrícola e até na indústria de alimentos e que, sozinho, não possui poder de explosão, conforme explica o professor doutor do departamento de química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, Gilbert Bannach.
Ele destaca que o salitre do Chile, extraído dos desertos daquele país, possui até 80% de pureza e que apenas o nitrato de potássio 100% puro tem venda proibida pelo Exército Brasileiro.
“Mas o salitre, mesmo impuro, reage com a sacarose do açúcar quando aquecido, podendo provocar explosões com poder de queimadura muito alto”, observa.
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Paredes da casa onde o menino mora, no Mary Dota, ficaram com as marcas depois de explosão |