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Entrevista da semana: "A arte é a terapia da alma"

Ana Paula Pessoto
| Tempo de leitura: 6 min

Quioshi Goto

Não consigo ficar quieta, minha cabeça sempre está a mil’

Sou professora e atriz. Atualmente, sou muito mais atriz do que professora. A minha vida nem sempre foi um jardim com rosas e flores perfumadas. Mas, no pesar da balança, entre perdas e ganhos, os ganhos ganharam e hoje eu sou imensamente feliz. Feliz pelo que eu sou. Pelo que a vida me deu: minha família, minhas atividades, principalmente no teatro, e o meu modo de ser. Eu gosto de fazer parte do mundo, mas não de ver o mundo passar por mim. Eu quero estar dentro dele e viver tudo aquilo que está acontecendo, que está sendo vivido”.


Assim se apresenta a entrevistada deste domingo (8), Dulce Tereza Montenegro Turtelli Lagreca da Silva. Aos 72 anos, ela se destaca no teatro bauruense (foi aplaudida em cena aberta em sua última apresentação, que encerrou a 14ª Mostra de Teatro Paulo Neves) e fala sobre o amor pelas artes, família e vida.


Jornal da Cidade – O teatro entrou há pouco tempo em sua vida. Como essa paixão teve início?

Dulce Tereza Montenegro Turtelli Lagreca da Silva – Eu sempre fui professora de música. Veio a aposentadoria, fiquei viúva, meus filhos tornaram-se independentes e eu me vi sem saber o que fazer. E eu nunca fui de ficar parada. Fiquei sabendo do curso de teatro oferecido pelo Paulo Neves para pessoas de mais idade. Ele sempre foi um amigo da família e resolvi fazer. Apesar de gostar de teatro desde menina, eu estudei música e fiquei na música (risos). Comecei a estudar teatro em 2006, gostei muito e quero cada vez mais.


JC – A senhora fez parte da peça que encerrou a 14ª Mostra de Teatro Paulo Neves e foi aplaudida de pé pela plateia.

Dulce – Sim. Minha última peça foi “A Casa de Bernarda Alba”, que finalizou a 14ª Mostra de Teatro Paulo Neves. Eu cantei e foi emocionante. A plateia me aplaudiu de pé, o que chamamos de aplausos em cena aberta, quando os aplausos vêm antes da peça acabar. Disseram-me que isso nunca havia acontecido, em Bauru. Eu me dedico ao máximo. Sempre vem um frio na barriga, um medo de esquecer o texto. Encarno o personagem. Esqueço que sou a Dulce e pronto. E não me olhe como Dulce porque não vai me achar (risos).


JC – Sobre a música.

Dulce – Eu dei aulas de piano em casa, em escolas públicas e particulares. Lecionei música durante uns 20 anos, pelo menos. Além disso, eu tocava em casamentos para as noivas entrarem nas igrejas. Toquei em muitos casamentos. Fiz faculdade de música, conservatório e especialização.


JC – Quem apresentou a música à senhora?

Dulce – Meus pais sempre gostaram de música, principalmente o meu pai. E comecei a estudar piano aos 8 anos de idade porque eles quiseram. Naquela época, as meninas tinham que aprender piano. Só que eu gostei. Gostei e gostei muito. Não parei desde então.


JC – O que a música trouxe de mais valioso para a sua aluna e professora?

Dulce – A música me trouxe tudo de bom. Inclusive, o amor. Eu conheci meu marido nas aulas de música. Francisco era médico psiquiatra, mas eu o conheci estudando piano. Ele adorava sair na noite. Sempre fomos boêmios. Ele tocava piano, trompete, teclado... várias coisas. Éramos adolescentes quando nos conhecemos. Estudamos música juntos, casamos, tivemos filhos, netos... Ele foi o meu primeiro e único namorado. Vivemos 31 anos juntos, até a sua morte, há 15 anos.


JC – A senhora diz que sua família é especial...

Dulce – Sim. Muito especial. Tenho minha mãe com seus 92 anos, além de meus irmãos, três filhos, quatro netos e minha nora. E não há palavras para agradecer o quanto eles vibram e me apoiam em tudo o que eu faço ou planejo fazer. Agora também estou fazendo comercial para TV. Virei garota propaganda (risos). Estampei outdoors por toda a cidade na época da Copa do Mundo. Fiz as propagandas do Confiança Supermercados. Um pouco antes do Carnaval, uma produtora me convidou para fazer a propaganda de uma TV por assinatura, pena que não vai passar em Bauru, porque não tem essa TV por aqui. E fiz vários outros comerciais com participações menores.    


JC – De onde vem a sua energia para tantas atividades?

Dulce – Pois é,  eu não consigo ficar quieta, então tenho que fazer alguma coisa. Eu tenho uma certa dificuldade de locomoção e não posso fazer muita atividade física, mas a cabeça sempre está a mil. E eu gosto mesmo é de fazer coisas diferentes (risos). 

JC – Hoje (dia 8) é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Com pouco mais de sete décadas de vida, como a senhora analisa a evolução feminina ao longo das gerações?

Dulce – Houve uma evolução positiva inegável, mas ainda falta muito. Muito mesmo. Não podemos deixar de notar que a mulher ficou sobrecarregada, também. Muitas de nós. Nessa sociedade machista em que vivemos, é difícil o homem que quer ajudar em casa. Então você trabalha fora, chega em casa cansada e está tudo te esperando: arrumação da casa, cuidados com as crianças... E muitos maridos no sofá. Sou totalmente contra o machista. Por outro lado, eu acho que algumas mulheres confundem as coisas. Conquistamos nosso espaço no mercado de trabalho e tudo mais, mas a mulher não consegue fazer as mesmas coisas que o homem, por questões físicas mesmo. A mulher é mais frágil, no sentido de delicada. Beber, por exemplo, nossa resistência ao álcool é menor. Então precisamos nos cuidar nesses aspectos.


JC – Sobre viagens.

Dulce – É um outro hobby, mas é o mais caro (risos). Ainda mais agora com o dólar nas alturas. Conheço alguns estados do Brasil, mas eu gosto mesmo é de visitar a Europa. Conheço muitos países, como Portugal, Espanha, França, Suíça, Itália, entre outros. Também conheço alguns lugares dos Estados Unidos. Gostei de todas as viagens, mas me apaixonei pela Itália e pretendo voltar logo para conhecer aqueles lugares que ninguém visita, cidadezinhas fora da rota turística para conhecer o modo de vida do povo. Já estudei um pouco de italiano e quem sabe eu não faça um intercâmbio desses para a terceira idade (risos).  

JC – Quais são os benefícios da arte na terceira idade?

Dulce – Olha, a arte, em primeiro lugar, é uma terapia da alma. Você se torna uma pessoa mais sensível. Além disso, há o aspecto social. Você faz amizades verdadeiras com o teatro. É um prazer estar junto das pessoas, sabe? Mesmo sem a obrigação dos ensaios, você liga para o grupo e convida para um café, um bar... O teatro desenvolve a sua parte criativa, a sua autoestima e, na nossa idade, é fundamental fazer parte de um grupo, principalmente um grupo artístico. Olha, o pessoal de teatro é muito divertido. Muito divertido (risos).

Perfil


Nome: Idade: 72 anos

Local de Nascimento: Bauru

Signo: Peixes

Marido: Francisco Lagreca (em memória)

Filhos: Carolina, Vinícius e Maíra

Livro de cabeceira: Estou sempre lendo, desde que não seja obras de autoajuda

Hobby: Gosto de estar com a família e de sair com os amigos, principalmente em bares com música ao vivo 

Filme preferido: Gosto de dramas e filmes policiais 

Estilo musical predileto: MPB

Para quem dá nota 10: Para minha família, que é muito especial

Para quem dá nota 0: Será que alguém merece?

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