Samantha Ciuffa |
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José Antônio Milagre: “Case com seu celular sem possibilidade de divórcio” |
Que atire a primeira pedra quem nunca deu um aparelho velho de celular para um tio, um sobrinho ou um amigo que estava sem. Ou quem, em algum momento, precisando de um dinheiro a mais no fim do mês, não pensou em vendê-lo – ou vendeu. E isso sem pensar nos riscos que poderia correr. Pois é, mas devia ter pensado, já que, segundo o advogado e perito especializado em tecnologia da informação e privacidade José Antônio Milagre, depois que você compra um aparelho de celular, ele deve ser seu para sempre. “É um casamento sem possibilidade de divórcio”, afirma.
Milagre faz o alerta levando em conta especialmente os altos números de roubos e furtos de celulares. O Brasil tem 5 milhões de celulares bloqueados por roubo ou perda e em São Paulo o número de celulares furtados cresceu 149,6% no ano passado em relação a 2013. Por isso, diz o advogado, num tempo em que o celular é moeda de troca – especialmente entre bandidos -, o descarte de um aparelho usado requer uma série de cuidados até então inimagináveis. Isso por conta de um detalhe de 15 dígitos: o International Mobile Equipment Identity (IMEI).
O IMEI é o “RG” – ou a “impressão digital” - do celular. “Dá pra dizer que é o ‘chassi’ do celular. É um código que identifica o verdadeiro dono do aparelho, aquela pessoa que o comprou e deixou registrado na nota de compra todos os seus dados pessoais, como RG, CPF, endereço”, explica Milagre. “Por isso o IMEI é tão importante. Ele liga o aparelho ao dono, ou seja, se você vender ou dar seu aparelho de celular para uma pessoa e ele for usado para cometer um crime, é o seu nome, o seu documento que estará atrelado a ele. E a maioria das pessoas sequer imagina isso”, emenda.
José Milagre explica que todos os aparelhos de celular saem da fábrica com o número de IMEI, e ele não se repete. E o IMEI é registrado por uma série de aplicações do usuário no dia a dia, sempre que o aparelho de celular é utilizado.
Por isso, engana-se quem acha que pode se esconder atrás de “número restrito” ou perfis falsos para cometer crimes, praticar bullyng, ofender moralmente uma pessoa nas redes sociais etc. Milagre cita como exemplo as redes sociais, amplamente acessada através do celular.
“Pelo celular, você acessa o Facebook, por exemplo, para ofender moralmente uma pessoa através de um perfil falso. Judicialmente, é possível ter em mão todos os dados da conta no Face. E o IMEI está entre esses dados. E através do IMEI, com a quebra do sigilo judicial, é possível chegar ao proprietário do aparelho, ou melhor, a quem o comprou e deixou registrado na nota de compra todos os dados”, observa. Isso significa que, mesmo que a pessoa tenha simplesmente dado de presente o aparelho a um amigo que estava precisando muito, ela vai ter, no mínimo, uma forte “dor de cabeça” até explicar o que ocorreu.
Mais importante que carro
Já que o IMEI funciona como o “chassi” do celular, o ideal é que ele, a exemplo de veículo, pudesse ser transferido para o novo dono. Mas não é isso que acontece. E nem há prazo para que comece a ocorrer.
Milagre diz que não chega a ser exagero dizer que é mais importante cuidar do celular do que do carro. Isso porque, quando um carro é vendido, é feita a transferência. Quem não faz isso, conhece os riscos de corre. “Mas não há como transferir IMEI quando você vende o celular. Para venda de veículo, há regras que documentam a transação. No celular, não. E é realmente preocupante a questão do celular usado. Quem é o vendedor? Quem é comprador?”. Mas é possível pedir a transferência de IMEI? Segundo José Milagre, sim, através do fabricante. “Mas nunca vi funcionar.”
“Criar um ‘inventário’ de celulares seria o ideal. Mas não há sequer estudos sobre isso”, diz José Milagre. “Então, cuide do seu celular com extremo cuidado. A compra de um celular é um casamento sem possibilidade de divórcio”, afirma o perito, que tem todos os aparelhos velhos guardados. “Não dou, não vendo, são meus. Vai trocar de aparelho? Queime ou guarde o velho. Não dá para arriscar.”
Cuidados essenciais
Assim como é possível adotar medidas que dificultem roubo ou furto de celular, há várias maneiras de proteger os dados que estão nele. São aplicativos que fornecem inúmeras possibilidades, desde a localização por GPS até a gravação do áudio passando e fotografias de quem está com o aparelho.
O advogado e perito especializado em tecnologia da informação e privacidade José Antônio Milagre diz que proteger o aparelho com no mínimo uma senha de acesso é fundamental. Ele cita a lei 12.737 de 2012, ou lei “Carolina Dieckmann”, que, entre outras coisas, torna crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares. Entre outros pontos, a lei diz que ela só pode ser usada por quem protege o celular, ou seja, quem não tem ao menos uma senha de acesso ao aparelho não tem como alegar que ele foi usado indevidamente por um terceiro.
“Pode ser uma arma moderna ou uma garrucha antiga, mas o aparelho de celular precisa ter proteção”, afirma Milagre. O advogado diz que a escolha das ferramentas de proteção dependem muito da profissão, do estilo de vida, de como, onde e porque o celular é usado. Ele, por exemplo, tem rastreador, senha biométrica e backup na nuvem. “O importante é ter programas que dificultem o uso pelo criminoso.”
Clone de IMEI
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Quando um celular é roubado ou furtado, através do Boletim de Ocorrência (BO) e mediante análise prévia do delegado de polícia, é possível pedir o bloqueio do IMEI (leia mais na página 20). Quando o IMEI é bloqueado, o aparelho é inviabilizado. Mas nem isso protege o proprietário.
“É extremamente complicado reaver o mesmo número de IMEI, mas não é impossível. Já há ferramentas disponíveis para ‘esquentar’ o IMEI de um celular roubado”, diz o advogado e perito especializado em tecnologia da informação e privacidade José Antônio Milagre. E esse aparelho de celular “esquentado” pode ser utilizado na criminalidade ou ser vendido.
Milagre explica que dizer que um IMEI foi “esquentado” é o mesmo que dizer que o aparelho de celular foi clonado. Diferente do chip. “Um chip clonado dá problema na conta. Por exemplo, as ligações efetuadas vem na conta do chip clonado. IMEI clonado é problema no aparelho.” Ou seja, se o IMEI do seu aparelho for clonado, quem fez isso vai usar o aparelho com se fosse seu, não dele. “Você, dono do IMEI, vai ter problema se o aparelho for utilizado para práticas ilícitas”, alerta o advogado. Por isso é extremamente importante fazer o BO em caso de perda, furto ou roubo de celular, afirma Milagre.
Mesmo porque, segundo o advogado, ao menos por enquanto as operadoras não têm como checar na rede dois IMEIs iguais. “A clonagem funciona mesmo.”
Bloqueio de IMEI é uma prerrogativa de delegados
Casos são avaliados e pedido ocorre ou não dependendo da gravidade da ocorrência para combate a crimes
Douglas Reis |
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Delegado Ricardo Martines afirma que tem que avaliar o crime antes de pedir bloqueio de IMEI do aparelho celular |
Quando um celular é perdido, roubado ou furtado, não basta apenas fazer Boletim de Ocorrência (BO). É preciso bloquear o chip e o IMEI. Sem essas medidas, o celular pode ser facilmente reaproveitado pelos criminosos, bastando somente a compra de um chip novo. Mas como pedir o bloqueio? Desde o início de fevereiro de 2015, todos os celulares roubados ou furtados no Estado de São Paulo são bloqueados pelas operadoras, como medida de combate ao aumento de crimes envolvendo celulares.
Inicialmente, a Resolução SSP-3, de 06/02/15, obrigava que o bloqueio deveria ser feito pelas operadoras num prazo máximo de 12 horas após o registro do crime. Dias depois, a Portaria DGP-4, de 12/02,15, assinada pelo delegado geral de polícia da Polícia Civil de São Paulo, Youssef Abou Chahin, diz, no artigo 3º, que, “em havendo relevância para as investigações, a autoridade policial poderá deixar o imediato bloqueio do IMEI”.
O delegado seccional de polícia de Bauru, Ricardo Martines, explica que a medida é importante levando em conta o tipo de crime praticado. “No caso de um sequestro, por exemplo, é importante que a polícia tenha todos os meios possíveis de localização da vítima e dos criminosos. E o IMEI pode ser importante no processo de investigação, para chegar aos criminosos”, afirma. Martines lembra que, a partir do bloqueio do IMEI, o aparelho de celular não pode ser mais reaproveitado ou rastreado. Por isso, a avaliação caso a caso é importante.
Mercado do crime
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Não é de hoje que o telefone celular é cobiçado pelos bandidos. E a cada vez que a há um salto tecnológico, a cobiça aumenta. Basta ver os índices de roubos e furtos de celulares. A cidade de São Paulo, por exemplo, registrou, em média, o roubo e o furto de cerca de 460 celulares por dia nos três primeiros meses deste ano, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Dados da Delegacia Seccional de Polícia de Bauru, que abrange a cidade e outros 18 municípios, indicam que, de janeiro a março deste ano, foram roubados e furtados 226 celulares em sua área de atuação. Desses, 197 casos foram registrados só em Bauru. E o mês de fevereiro foi o campeão absoluto, com 85 roubos e furtos de aparelhos de celular na cidade, com 85 registros, seguido por março, em 70, e janeiro, com 42.
Nas demais cidades abrangidas pela Seccional de Bauru os números são bem mais modestos. Em março, nos 18 municípios, foram 11 roubos e furtos de celulares; em janeiro, 10 e em fevereiro, 8. E os smartphones são os preferidos.
O titular da Delegacia Seccional de Polícia de Bauru, delegado Ricardo Martines, acredita que os números podem ser maiores em toda a área de abrangência, já que muitas pessoas não registram Boletim de Ocorrência (BO). O que é um erro, segundo o delegado. “Fazer BO evita problemas”, afirma.
Mas é preciso lembrar que chip é uma coisa e IMEI, outra. O chip é a linha do telefone móvel. O IMEI, o “RG” ou “impressão digital” do aparelho. Ou seja, o chip pode ser trocado a qualquer momento. O IMEI, não. “Mas isso não significa que não é possível trocar o IMEI de um aparelho. Já há criminosos fazendo isso”, diz Martines. Por isso a importância dos BOs para perda, furto ou roubo de celular.
Aparelho vira moeda de troca entre bandidos
Fazer Boletim de Ocorrência (BO) por perda, roubo ou furto de celular é muito mais importante do que a maioria das pessoas imagina. O alerta é feito pelo tenente Bruno Mandaliti Scarp, comandante interino da Força Tática da Polícia Militar, que salienta dois motivos principais: o aparelho perdido/roubado/furtado facilita a comunicação entre criminosos e vira moeda de troca. “O caminho que um celular furtado ou roubado faz é sempre em direção ao crime”, alerta Mandaliti. “É só trocar o chip e sair usando”, emenda.
Mandaliti diz que boa parte dos celulares furtados ou roubados acaba dentro das penitenciárias. Outra parte fica na mão de bandidos. Esses aparelhos são utilizados, entre outras coisas, para a elaboração de crimes. “Eles (os bandidos) comunicam-se entre si com o aparelho de outra pessoa, que pode ter problemas se não conseguir provar através de BO que seu celular foi furtado ou roubado”, alerta.
Por conta disso, diz o tenente, as pessoas precisam começar a ter consciência de que o celular não é apenas um aparelho móvel de telefone que pode ser usado de qualquer jeito ou deixado sobre a mesa do bar. “Na mão de bandidos, ele vira ‘arma’ de crime.”
O tenente Mandaliti é enfático ao afirmar que, assim como as pessoas dificultam a entrada de bandidos em suas casas, elas também precisam tomar cuidados para evitar o roubo ou furto de seus celulares. Não deixar o aparelho em qualquer lugar, não usá-lo na rua, baixar programas de segurança, ter rastreador no aparelho são algumas dicas
Ele ainda destaca que fazer Boletim de Ocorrência, mesmo em caso de perda, é fundamental. Bloquear o chip do aparelho também é extremamente importante. “O bloqueio do chip funciona como uma ‘cerca eletrônica’ numa residência: dificulta a ação do bandido.”
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