Cultura

Placidamente entre o barulho e a pressa

Dulce Kernbeis
| Tempo de leitura: 4 min

Há cerca de um ano o pintor de quadros Plácido encontrou o local ideal para desenvolver sua arte: a pinacoteca da Casa Ponce Paz, bem no centro da cidade, na esquina das ruas Antônio Alves com Ezequiel Ramos. 

 

 

 O casarão antigo, recuperado pela Secretaria Municipal de Cultura, cwom sua árvore frondosa e cursos de artes plásticas é o local ideal para o autodidata fazer o que mais gosta: pintar cenários urbanos, especialmente locais históricos de Bauru. Plácido até está se transformando em uma espécie de psicólogo de almanaque. “Todo dia aparece alguém para conversar, desabafar”. 

 

Não se pense que Plácido acha ruim. Sentimental, esse homem nascido no dia de São Pedro, em Vera Cruz, região de Marília,  fará 76 anos no dia 29. Experiente, pai de três filhas, dois casamentos (a última união completa 50 anos o ano que vem), aceita de bom grado a função de terapeuta do coração e das mazelas humanas: “Todo mundo pensa que sou psicólogo, consultor de família e procuro transmitir ensinamentos de Deus, dar bons conselhos”.

 

Quem se utiliza do “serviço” são as pessoas que vão ao centro comercial e, entre uma compra e outra, à espera do ônibus circular, prestam atenção naquele senhor que ali está praticamente todos as tardes com o cavalete armado, dando suas pinceladas. 

 

Ajuda dos céus

 

Ele próprio tem muitas histórias para contar. A melhor foi há mais de dez anos quando, já aposentado, saía pelas ruas de Bauru vendendo suas obras, como forma de complementar o orçamento. Precisava de R$ 100,00 porque, feitas as contas, era o que faltava para empatar o mês. Avisou a esposa Aidê, separou uma dúzia de quadros na caminhonete e armou a exposição embaixo das árvores da praça da Igreja Santa Terezinha. De repente viu um homem com calças rasgadas se achegar e ir separando os quadros.  Empilhou alguns. Atrás de uma árvore, Plácido não era visualizado. O homem olhava de um lado para outro e tudo o que Plácido pensou é que iria botar os quadros na cabeça e sair correndo. 

 

Após observar a movimentação, perguntou: “Você gostou do que eu pintei?”. Ao que o homem respondeu “sim, estava procurando o dono, separei seis e quero comprar. Quanto é?”. 

 

Envergonhado por ter pensado mal, Plácido respondeu: R$ 150 reais. O homem barganhou e pagou R$ 70,00 em dinheiro e R$ 70 em cheques. Era um empresário e tinha ,próximo dali, uma lojinha de itens de artesanato. Dias depois voltaram a se encontrar e Plácido lhe deu um quadro inacabado (faltava pintar um pedaço do mar). Mas Plácido nunca mais viu o freguês. Nem o resultado do trabalho final. O certo é que aquele homem apareceu na sua vida na hora certa. 

 

No mapa, Bauru

 

Até Bauru ele veio por conta de um concurso público onde o principal ofício era desenhar mapas, em 18 de março de 1959. Ficou no cargo até se aposentar em 1993. E fez de Bauru e da Vila Independência seu lar. Nunca deixou de pintar. Ancorava nas ruas da cidade e ali exibia seus quadros. Até que, há cerca de um ano, a agente cultural Elizete Maria Barro o viu procurando uma sombra para instalar seu cavalete. “Foi um convite e tanto o que ela me fez, Aqui estou na rua, em contato com o público, como gosto. Tenho onde guardar minha maleta, meus quadros, tenho banheiro, cafezinho, água”, diz.

 

E Cido virou Plácido

 

Plácido se chama Aparecido de Souza e, antes dos 9 anos, o dom aflorou. Pegava pedações de carvão para pintar, em muros e casas abandonadas de Vera Cruz, a imagem dos artistas que via no cinema. “Como Roy Rogers”, ídolo de faroeste.  Aos 12, descobriu que dois padres espanhóis haviam chegado e pintavam obras sacras. Voltava da escola, almoçava e, em vez de jogar bola na rua, o menino se enfiava na igreja e ficava vendo os padres trabalharem. Um dia notou a existência dos desenhos em papel vegetal quadriculado. “Foi o máximo, abriu a janela da minha mente”. E foram os padres que batizaram artisticamente o garoto Cido. “Diziam que eu era muito calmo, manso, observador. Acabei virando Plácido, gostei e me senti um profissional”, conta rindo.

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