| Malavolta Jr. |
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| Destino: maquinários serão vendidos em licitação; alienação deve ocorrer até o fim de 2015 |
Das locomotivas e vagões que impulsionaram o desenvolvimento de Bauru, restou apenas o “esqueleto”. Essa é a impressão que se tem ao olhar tanto de perto quanto de longe os veículos de patrimônio da União. Estacionado há anos nos trilhos às margens da extinta Estação Ferroviária, no Centro, e na antiga Triagem da Rumo ALL, ao final da avenida Nuno de Assis, na região do bairro Nova Santa Luzia, parte do maquinário, com logotipo da antiga Ferrovia Paulista S.A (Fepasa), já sucumbiu às intempéries do tempo e hoje sequer possui condições de tráfego.
Mais parecidos com carcaças abandonadas em uma área que mais se assemelha a um cemitério desse tipo de veículos, os vagões e locomotivas se tornaram tormento para quem mora nas imediações. E o problema pode estar longe do fim. O Departamento Nacional de Infraestruturas de Transportes (Dnit) projeta alienar os bens até final deste ano. A comercialização do maquinário, contudo, depende de licitação pública e do aparecimento de interessados em comprá-lo, fato que o próprio Ministério Público Federal (MPF) avalia como difícil ao considerar o momento econômico que o País atravessa.
“Mas áreas e bens que não possuem mais serventia têm de ser cuidados e mantidos pela SPU [Secretaria de Patrimônio da União]. Se esse cuidado não está sendo prestado, há uma falha”, pontua André Libonati, procurador da República.
União
A Secretaria de Patrimônio da União, por sua vez, cita que a Lei 11.483, que finalizou o processo de extinção da Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA), em 2007, “é clara ao definir que os bens móveis (vagões, mobiliário, peças de locomotivas, etc.) seriam transferidos para gestão do Departamento Nacional de Infraestruturas de Transportes (Dnit) ou do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no caso de interesse histórico”.
Na mesma nota, a pasta exime sua responsabilidade sobre o cuidado com os maquinários abandonados informando resumidamente que não pode se manifestar em relação aos trens, vagões e outros similares, já que “à SPU cabe apenas a gestão do patrimônio imobiliário não operacional transferido pela inventariança da extinta RFFSA”.
Dnit
Já a coordenação de patrimônio da Diretoria de Infraestrutura Ferroviária do Dnit diz que os carros de passageiros e locomotivas, inclusive à vapor e que são de interesse histórico, já foram transferidos ao IPphan e serão preservados.
“Os vagões e locomotivas do Dnit que estão na estação ferroviária e no pátio de triagem não apresentam condições de recuperação e serão vendidos em licitação pública”, promete o departamento.
Em projeção otimista, o Dnit afirma que pretende alienar os bens até o final deste ano. Como exemplo, cita ter conseguido vender os vagões que estão na reserva indígena de Avaí, os quais serão removidos dos trilhos pelo comprador no próximo mês.
ALL e município
Sobre o assunto, a concessionária que opera o transporte ferroviário em Bauru, Rumo América Latina Logística (ALL), disse que substitui regularmente os vagões inservíveis por modelos mais modernos e com maior capacidade. “Já os vagões que podem ser recuperados são encaminhados às oficinas especializadas.”
A empresa, contudo, não contempla, em nota, nenhuma informação sobre os vagões e locomotivas que estão abandonados ao longo dos trilhos.
Ao alegar que a exigência de retirada dos vagões abandonados nos trilhos não é de competência legal do município, a Prefeitura Municipal diz, também em nota, que vem fazendo a sua parte mantendo vistorias frequentes quanto à manutenção da limpeza das áreas de responsabilidade da concessionária das linhas férreas por meio da divisão de vigilância ambiental.
| Malavolta Jr. |
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| Maria Dolores da Rocha e Osvaldo Rodrigues da Rocha: abandono virou pesadelo a moradores |
‘É triste ver esse desperdício de dinheiro como paisagem de casa’
“A água encanada, a rede elétrica, o asfalto. Em 40 anos, tudo chegou ao bairro Santa Luzia, mas os trens foram embora”. A frase é da moradora Maria Dolores da Rocha, 69 anos, que, ao lado do marido Osvaldo Rodrigues da Rocha, 72, lembra dos bons momentos e da diversão que os trens proporcionavam ao casal e aos cinco filhos até a década de 80.
“Saíamos todos aqui na calçada de casa quando os trens iam partir para poder dar tchau para os passageiros. Era uma alegria só. Fizemos várias viagens. Mas, agora, essa área virou um pesadelo”, comenta a mulher. “À noite já escutei até tiros por ali. Vira e mexe tem gente furtando ferro velho. É triste ver esse desperdício de dinheiro do povo como paisagem da frente de casa”, completa Osvaldo.
Há três anos atuando como vendedor ambulante de milhos na avenida Nuno de Assis, em frente à antiga Triagem, Tiago Aquilante, 31 anos, diz não ver a hora de mudar-se para outro ponto.
“Não são só os vagões. Essa área toda está abandonada há anos e ninguém faz nada. Aqui é perigoso, quando escurece então, sempre vou embora antes. Fora o mau cheiro que vem do rio”, acrescenta o produtor.
Entulhão e sucateamento
A denúncia sobre a situação dos vagões e locomotivas sem qualquer condição de tráfego que sucumbem hoje sobre os trilhos de Bauru surge menos de um mês após o JC publicar reportagem alertando as condições sobre trilhos no Centro da cidade, que segundo moradores viraram uma espécie de “entulhão”, por conta do despejo irregular de lixo no local.
Em 6 julho desse ano, o JC publicou outra reportagem sobre a situação da ferrovia na cidade. Na ocasião, o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Bauru alertava sobre um suposto processo de desmonte da Malha Oeste, que integra a antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e um trecho da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, baseado em demissões e desativações de trechos da malha e de setores de manutenção. O processo de sucateamento, conforme a entidade denuncia, teve início com a privatização do transporte ferroviário, em 1996.

