É uma menina! Que coisa mais delicada. O pai, vai proteger. A mãe, ensinar a se portar como uma mocinha. Toda menina deve ser limpinha, comportada e arrumada. Deve gostar de brincar de boneca, de casinha e de cuidar da beleza, imitando e ajudando a mamãe nos afazeres domésticos. Assim, quando crescer, poderá arranjar um bom partido e será uma boa esposa e boa mãe. Belas, recatadas e do lar. Dedicadas aos homens de sua vida, ao núcleo da família.
Ainda na infância designamos papéis bem definidos e limitados para as nossas meninas, alguns antes mesmo de elas nascerem. Desde a concepção, a mulher é pensada e criada para se encaixar aos moldes do patriarcado. Sempre primeiras-damas, nunca ministras, jamais presidentas.
Há séculos as mulheres foram subjugadas e obrigadas a assumir o papel de procriadoras. O privilégio de ser dona de casa se trata, na verdade, de uma imposição histórica. Enquanto o homem tomou para si funções exteriores ao ambiente familiar, à mulher coube toda a sua manutenção.
A caça foi substituída por planos de carreira, conquistas, representação política e social. O crescimento pessoal e o sucesso profissional são ambições naturalizadas como masculinas. O mundo real está ao alcance dos homens. As mulheres foram, nesse sentido, enterradas em seu próprio anonimato. Sua participação na história, apagada. Relegadas a uma vida privada, limitada, sem efeitos tangíveis para o mundo exterior.
Mesmo depois da “emancipação feminina” que “ganhou” o mercado de trabalho, as mulheres tiveram que adaptar suas rotinas em duplas ou triplas jornadas. Primeiro, cuidar dos filhos, depois, prover o sustento. A mulher cuida da casa, transformando-a em lar. Cria os filhos que crescem e vão embora. Cuida do bem-estar de todos. Cotidianamente a opressão se manifesta na impossibilidade ou nas dificuldades impostas para que ela possa construir algo de concreto e individual com a sua vida. Não resta nada dela, por ela.
Este é o papel que lhe foi reservado. A realidade da maior parte da população brasileira feminina é ainda mais complexa. Bem distinta da observada pelos que só andam pelas calçadas da avenida Getúlio Vargas ou do condomínio Villagio. Para trabalhadoras, negras, indígenas, pobres, lésbicas, transexuais, para as mães de um, dois, três, o relógio de ponto e o patrão são apenas alguns de seus grilhões.
Como alcançar a igualdade quando as mulheres representam menos de 10% dos cargos de poder no Legislativo e Executivo? Mesmo com escolaridade superior à dos homens e ocupando 45,4% do espaço no mercado de trabalho, elas recebem cerca de 40% menos do que os homens, segundo o IBGE. O mesmo censo mostra que as mulheres totalizavam 11 milhões da força de trabalho no Brasil em 2011, mas o serviço doméstico é o único setor em que são maioria, 94,9%, contra apenas 5,1% de homens. Falta-nos representatividade política e social.
Como se o cenário já não fosse ruim, as mulheres e meninas convivem desde sempre com a violência diária. Estar dentro de casa não é sinônimo de estar segura. O Mapa da Violência 2015 aponta que a taxa de ocorrência de casos de violência dentro de casa é de 71,9%, enquanto em vias públicas é de 15,9%. As estatísticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República apontou que em quase 65% dos casos o estupro, o estuprador é um familiar ou companheiro. O Brasil tem uma das taxas de feminicídio mais altas do mundo, representando 13 mulheres assassinadas por dia. 27,1% dessas mortes acontecem no domicílio da vítima, contra 31,2% nas vias públicas e 25,2% em estabelecimentos de saúde.
A impunidade é um dos grandes desafios enfrentados, juntamente com a culpabilização da vítima. Recentemente foi arquivado por falta de provas o caso da adolescente que sofreu um estupro coletivo, mesmo ela tendo identificado dois de seus agressores. O caso aconteceu em uma noite morna e agitada, quando a menina voltava da festa de aniversário da cidade de Bauru, próxima ao Parque Vitória Régia. Lá, tinha encontrado um vizinho, que lhe ofereceu carona para voltar para casa. Uma oportunidade de retornar com segurança. Eles andaram duas quadras para alcançar o carro, no caminho estavam dez amigos do vizinho. Obrigada a ingerir bebida alcoólica, a menina foi arrastada para um terreno baldio ao lado e estuprada pelos dez homens. Casos assim não são isolados.
No último dia 25, um vídeo viralizou na internet. Homens riam e apontavam para a figura de uma menina desacordada na cama. Ela havia sido estuprada por mais de trinta homens no Rio de Janeiro. Outra adolescente. Depois de cinco dias desaparecida, ela foi encontrada em uma praça e levada para atendimento médico. Aos prantos da moça somam-se os ferimentos físicos e emocionais que foram provocados, não apenas pelos 33 homens que diretamente a violentaram, mas por toda a cultura do estupro. Cultura do estupro que é, diariamente alimentada pela mídia, pela política, pela sociedade.
O verdadeiro machismo da atualidade é o que educa homens e meninos para serem controladores acomodados em sua agressividade. É o que educa mulheres e meninas para serem conformadas e submissas perante a sociedade. Já o feminismo é sobre dar às mulheres as mesmas oportunidades e os mesmos direitos que os homens têm.
Nossa luta é pelo direito e pela liberdade de vivermos sem medo.