Regional

A saga dos casarões de Agudos

Aurélio Alonso
| Tempo de leitura: 11 min

Fotos: Aurélio Alonso
O casarão da fazenda São João passa por uma reforma completa  
Casarão São Benedito fica em área próxima da nascente do Rio Lençóis e pode ser visitado

A primeira sede rural de Agudos completou 122 anos. O enorme casarão da fazenda São João é a testemunha da pujante força da cafeicultura do século passado. O café já deixou há anos de ser o ouro negro, como os antepassados apelidavam. A proprietária da área, Maria Helena Napelone Cardia, iniciou a reforma completa das instalações para destinar mais um imóvel para o turismo histórico e rural.

Localizada na estrada Agudos-Domélia, visitar as instalações é voltar ao passado quando pisa o enorme terreiro para a secagem dos grãos de café disposto bem na frente do casarão. Mas há alguns quilômetros na mesma estrada asfaltada, tem a fazenda São Benedito, bem preservada com 115 anos de existência e onde tem a réplica de uma casa do imigrante.

Maria Helena Cardia herdou esse patrimônio e escolheu o turismo histórico e rural como uma das alternativas para manter os imóveis. O patrimônio faz parte do roteiro do Circuito Turístico Caminhos do Centro-Oeste Paulista, mas ganhou mais importância neste ano com o advento do projeto do governo paulista de escolher 150 cidades para integrar o Município de Interesse Turístico, que renderá um repasse às cidades de cerca de R$ 500 mil anuais para implementar o turismo.

Esse acervo de casarões da família Cardia junto com o Espaço Histórico Plínio Cardia se encaixa nesse projeto de turismo. Atualmente já existem vários projetos sendo desenvolvidos de visitação como o projeto Ushuaya, mas Maria Helena Cardia explica que com a "revitalização" da fazenda São Domingos terá outro museu na zona rural. O visitante irá conhecer como era uma fazenda do início do século passado.

Aurélio Alonso
Interior da fazenda São Benedito em Agudos mantém a mesma decoração da época

No momento o telhado do casarão foi removido, conforme visita do JC à área. As paredes estão sendo reforçadas. Para se ter uma ideia da dimensão do imóvel são 21 janelas que serão restauradas e há as ruínas de uma antiga tulha.

O imóvel construído pelo coronel Delfino Alexandrino de Oliveira Machado remonta a 1886 num período de imigrantes e escravos. Pelos registros a fazenda São João ficou pronta em 1895 e a São Benedito em 1902.

Alexandrino foi um próspero fazendeiro e chegou a receber a visita na época do ministro da Agricultura Rodolfode Miranda que veio convidá-lo para ser candidato a senador, mas o coronel recusou. Ele faleceu dois anos depois já cansado e viúvo.

Fora os casarões, Maria Helena mantém um museu histórico no Centro de Agudos, onde há peças raras, como o São Benedito feito de barro cozido que pertenceu à capela de São Domingos de Tupá, localidade extinta, a primeira do sertão e elevada à Comarca Eclesiástica em 1856. 

Casarão mais antigo é reformado

Fazenda São João tem a sede rural mais antiga de Agudos, com 122 anos de existência; local será destinado a museu após a "revitalização" 

Fotos: Aurélio Alonso
Pela janela do porão é avistado o terraço da fazenda
Ruínas da antiga tulha onde ficava armazenada a produção de café da Fazenda São João
Casarão da fazenda São João tem 122 anos de existência
Álbum de Família
Uma das raras fotos de como era fazenda São João de Agudos

O casarão da fazenda São João é o mais antigo do município de Agudos, passa por "revitalização", como a proprietária do imóvel Maria Helena Napoleone Cardia faz questão de frisar no lugar da palavra reforma. O telhado será todo trocado. Com previsão de demorar dois anos para concluir a obra, o objetivo é devolver as mesmas características da mais antiga sede rural do município com 122 anos de existência.

O imóvel foi a primeira fazenda cafeeira de Agudos, porém estava desativado justamente pelas precárias condições. Já esteve incluído no roteiro do Circuito Turístico Olho D' Àgua e do Circuito Turístico Caminhos do Centro-Oeste Paulista, mas as instalações precisavam de reforma. Por enquanto só ficará disponível a Fazenda São Benedito e o Espaço Turístico Plínio Machado Cardia para turismo.

A reforma vem em boa hora, a cidade de Agudos também está na disputa com demais cidades paulistas de ser incluída na lista dos 150 Municípios de Interesse Turístico, ranking que será feito pelo governo estadual que garantirá repasses anuais de R$ 500 mil por ano para investimento na área de turismo. A prefeitura do município também está nesta disputa.

"Como a gente independe de verba de algum lugar, espero a fazenda São João pronta daqui a dois anos, porque ela é muito importante para a história de Agudos. Foi a primeira casa construída na zona rural, quando vieram os imigrantes plantar café na Serra dos Agudos e aqui permaneceram. O município foi fundado devido as fazendas cafeeiras por Benedito Otoni, o primeiro prefeito da localidade, e coronel Delfino Alexandrino, filho do fundador de Lençóis Paulista", conta Maria Helena.

Embora o prédio não seja tombado pelo patrimônio histórico, a proprietária explica que o objetivo é manter as características. O prédio tem 21 janelas. "O principal é o telhado nesta fase de reforma. Para não chover dentro da casa, como ocorria antes devido as goteiras, decidimos consertar tudo, porque danificou o assoalho e vigas ", explica Ricardo Archangelo Paschoal, o Cuca.

O casarão foi erguido pelo coronel Delfino Alexandrino na fazenda Serraria do mesmo proprietário, também considerado um dos imóveis mais antigos que tinha até olaria para a produção de tijolos em 1886. A casa da fazenda São João ficou pronta em 1895. 

De acordo com a tese de doutorado de 2007 em arquitetura de Vladimir Benincasa no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, "do final do século XVIII ao início do século XX, houve grande transformação no modo da vida paulista, que se refletiu na arquitetura e em suas técnicas e tipologias: da arquitetura tradicional, com influências indígenas e portuguesas, a uma arquitetura que absorvia as inovações tecnológicas do período que antecede o Modernismo. No meio rural também se notam mudanças: os toscos estabelecimentos 'caipiras' de subsistência deram lugar aos especializadíssimos e complexos de edifícios da fazenda cafeeira."

São Benedito mantém móveis da época

Álbum de Família
Foto bem antiga registra o casarão da fazenda São Benedito
Aurélio Alonso
Fazenda São Benedito faz parte do roteiro turístico de Agudos

A Fazenda São Benedito é atualmente utilizada nas atividades de turismo rural e histórico. As instalações mantêm móveis da época. No mesmo local tem a casa do imigrante com fogão de lenha, lampião, camas e demais objetos como no início do século passado.

A área é bem conservada. No local já funcionou um restaurante que depois encerrou as atividades. Mas durante o ano, a fazenda recebe a visita de delegações de estudantes, porque o local é uma volta ao passado com piscina, parque infantil e área de lazer. Está localizado próximo à nascente do Rio Lençóis, além de ser acesso ao Mirante do Morro dos Agudos.

O complexo montanhoso nasce em Botucatu e se estende por mais de trezentos quilômetros de circunscrição e uma média de 620 metros de altitude, situado entre os rios Tietê e Paranapanema, atravessando de leste a oeste a região central do interior do Estado de São Paulo, entre os municípios de Borebi, Agudos, Paulistânia, Duartina, Ocauçu, Lupércio, Marília, Vera Cruz, Garça, Echaporã e Pompeia.

O casarão possui 9 quartos na sede e mais dois chalés independentes, acomodando até 30 pessoas com tranquilidade e conforto. Atualmente a área é alugada para eventos, mas Maria Helena Cardia inclui nos roteiros de turismo rural e histórico. O imóvel fica na estrada Agudos-Domélia, após o Seminário Santo Antônio, porém próxima da fazenda São João que está sendo reformada.

Fotos: Aurélio Alonso
Casarão da Fazenda São Benedito mantém decoração antiga e aberto à visitação
Ricardo Archangelo Paschoal, o "Cuca", administra a Casa do Imigrante, réplica de uma casa rural do século passado

Imagem do século 19 é resgatada

Estátua de São Benedito feita de terracota, em estilo de artesanato sertanejo, foi doada recentemente para o Espaço Plínio Machado Cardia, de Agudos

Aurélio Alonso
Marilena Cardia em frente da imagem de São Benedito no altar que pertenceu à igreja de São Domingos 

Aos poucos os vestígios da "cidade perdida" vão sendo recuperados. Dessa vez é uma imagem de São Benedito feita de barro cozido com o menino Jesus no colo, possivelmente datada do século 19, que ornou o altar da igreja de São Domingos do Tupá, povoação que foi uma próspera localidade perto de Águas de Santa Bárbara até desaparecer no início do século 20.

A estátua esculpida em terracota está em redoma de vidro no altar que era usado para catequização de índios e agora está exposta à visitação pública no Espaço Histórico Plínio Machado Cardia, em Agudos. É o mais recente achado que faz parte do acervo. 

A raridade "apareceu" após uma matéria do Jornal da Cidade divulgada em junho de 2015 quando foram publicadas fotografias do ferroviário de Bauru Adalto Dias Giafferi Prado, dos anos 70, que registrou os últimos resquícios da capela. Nesta mesma edição, é mostrado o altar de madeira feito em cedro resgatado em 1966 pelo cantor e tenor Emilson Carmo Barbosa. Ele percorria fazendas na época e se deparou com o objeto abandonado na antiga capela e, então, decidiu levá-lo para casa. Anos depois, ele decidiu doar a relíquia para o Espaço Plínio Machado Cardia, mantido por Maria Helena que preserva a história de Agudos.

Após a reportagem, Emilson procurou Maria Helena para comentar que também tinha a imagem de um santo e pretendia doá-lo ao museu. "Até duvidei quando ele comentou. E é que um dia ele enviou a imagem", conta.

A estátua tem uma avaria no pescoço. Devido a isso, Maria Helena decidiu guardar a relíquia em uma redoma de vidro. "Esse São Benedito deve ser de 1830 e foi usado para a catequização de índios", conta Maria Helena.

O memorialista Celso Prado cita a imagem de São Benedito, com o menino Jesus, faz parte das tradições da Matriz de São João, da antiga Comarca Eclesiástica de São Domingos.

A localidade de São Domingos do Tupá é envolta de mistério há mais de um século. Passagem obrigatória dos bandeirantes, como o advento da República perdeu a influência com o expansionismo sertanejo até praticamente desaparecer no início do século 20. As últimas provas de sua existência são um conjunto de fotografias da capela, o altar de madeira e agora a estátua de São Benedito.

O Espaço Histórico Plínio Machado Cardia faz parte do roteiro turístico junto com a Fazenda São Benedito. Ele é particular mantido por Maria Helena Cardia, mas aberto à visitação pública. 

Estátua pode ter sido feita por santeiro indígena

Aurélio Alonso
Imagem de São Benedito de antigo povoado tem mais de um século  
Sérgio Fleury Moraes 
Memorialista Celso Prado diz que peça é do século 19
Aurélio Alonso

O memorialista Celso Prado explica que a imagem de São Benedito, com o menino Jesus no colo, faz parte das tradições da Matriz de São João, da antiga Comarca Eclesiástica de São Domingos - localidade extinta e também conhecida por Tupá, a primeira do sertão e assim elevada em 1856.

"Aparentemente a imagem, feita de barro cozido (terracota), foi modelada em aldeamento por algum santeiro indígena, copiada de imagem profissional do tipo daquelas confeccionadas pelos beneditinos por volta do último quartel do século 17", explicou.

Prado tem um site na Internet que aborda o surgimento e o fim da localidade de São Domingos de Tupá. Procurado pelo JC, ele viu a foto da estátua de 70 centímetro de altura enviada pela reportagem e comentou sobre o mais recente "achado". "Pela simplicidade da imagem, sem a exuberância das beneditinas entronizadas em muitas igrejas ricas e adornadas, a imagem apresentada evidencia traços fisionômicos - os olhos, nariz, boca e a altivez indígena, com certa displicência, por exemplo, a aparente ausência da tonsura, e não destaques de cores", ressalta.

O memorialista cita ainda que a imagem teria sido modelada nos anos de 1830, lembrando que o povoado de São Domingos - Tupá tem origem histórica garantida em 1835. Na opinião dele, esta imagem chegou a São Domingos por volta de 1856, quando autorizada pela Igreja a construção de uma capela na localidade, paramentada e nela entronizadas as imagens de santos em moda na época São João Batista para os brancos, São Sebastião para os indígenas, Santo Antônio para os pardos e São Benedito afros e afro-brasileiros escravizados ou não; além das santas para as mulheres, crianças e velhos, aí as tradições e a verdade histórica fundem-se.

De acordo com Prado, a partir dos anos de 1850 o sertão paulista adiante de Botucatu, entre os rios Tietê e Paranapanema, começou a ser colonizado, para se repetir a onda de introduções de imagens de pequeno e médio porte, produzidas exclusivamente para o sertão, denominadas de 'arte sacra paulistinha', fenômeno visto nos anos de 1820, no sertanismo além do Tietê - margem direita, e no Vale do Paraíba - no início da colonização cafeeira.

Prado lembra ainda que o padre italiano Andrea Barra, primeiro vigário de São Domingos - Tupá (1856/1870), em 1864 foi nomeado Vigário Encomendado para a Freguesia e São João Batista da Faxina e Capelão do Aldeamento de Índios ali estabelecido, porém poucos meses depois retornou para São Domingos, trazendo imagens sacras, assim infere-se, feitas por indígenas daquele aldeamento, entre elas a de São Benedito.

Pelos cálculos do memorialista, a imagem se situaria entre 1856/1864, mas a verdade, somente pode ser estabelecida com algum especialista ou experiente restaurador. "Eu só 'conto história'", finaliza Celso Prado, que contou com a colaboração de Junko Sato Prado, autora junto com ele das pesquisas da localidade de São Domingo do Tupá.

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