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Motociclista, roqueiro e padre, por que não?

Aline Mendes
| Tempo de leitura: 6 min

João Rosan/JC Imagens
Seja como membro, diretor espiritual ou à frente da Pastoral da Estrada, o sacerdote faz trabalho missionário com moto clubes

Em breve, o padre Edson Roberto Codato comemora 25 anos de sacerdócio, trajetória que caminha lado a lado com outra paixão: a de pilotar sua moto e seu triciclo. Não por acaso, há cinco anos, assumiu uma missão que vai além do dia a dia na Paróquia São Brás, no Núcleo Gasparini: a Pastoral da Estrada.

O objetivo é evangelizar motoristas e motociclistas em celebrações e eventos, participar de atividades junto aos moto clubes e promover encontros como o Tibiriçá Motorcycles, que neste final de semana reúne bandas de rock, motociclistas de diversas localidades e o público em geral, estimado em mais de três mil pessoas. E acredite: um dos momentos mais aguardados é a missa com o padre Edson, realizada hoje às 10h.

"Quando a gente está atrás do guidão de uma moto, às vezes, comete excessos. Queremos formar consciências que valorizem a vida. Não queremos perder mais pessoas. E a Igreja deve ir ao encontro delas nas rodovias e em todos os lugares, como pede o papa Francisco", destaca.

Veja mais do bate-papo com o sacerdote.

JC - Como ingressou na vida religiosa?

Pe. Edson - A vocação não é algo mágico que surge na vida da gente, vai acontecendo. Minha família sempre foi muito católica e estar na Igreja foi fundamental. Eu era bagunceiro, mas comecei a ser coroinha, a ajudar no seminário rogacionista, a fazer amizade com os seminaristas e ver o outro lado da vida religiosa. Quando me dei conta, estava no seminário aos 16 anos, em 1979.

Malavolta Jr.
No encontro de motociclistas em Tibiriçá, em 2016, quase 3 mil pessoas participaram da missa celebrada por padre Edson

JC - Sua formação se deu em Bauru?

Pe. Edson - Em partes. Estudei mecânica no Senai e tive que ir para Passos de Minas (MG) fazer o colegial enquanto seminarista. Eu nunca tinha saído de Bauru e tive que aprender a me virar sozinho. Fiquei lá dois anos e cheguei a ser suspenso, porque não conseguia ficar quieto e reclamei do seminário. Terminei os estudos em Bauru. Aqui voltei ao seminário e nunca mais saí da Igreja. Não diminuiu a vontade de ser padre, nem de ser eu mesmo.

JC - O senhor se considera um padre diferente?

Pe. Edson - Existe um estereótipo de padre, um padrão e parece que quem foge disso está com defeito. Há quem não goste e tenha dificuldade em aceitar outros formatos. Só que antes de ser padre eu sou o Edson. Acredito que pare ser padre não precisa parecer padre. Desse jeito, conquisto muitas pessoas distraídas. Sou padre em tempo integral, até tomando uma cervejinha. E nesses momentos, escuto as pessoas, coisa que a sociedade tem feito pouco. Por isso, não sofro preconceito nem recebo críticas.

JC - Passou por outras cidades?

Pe. Edson - Já ordenado, fui para a Bahia. Todo padre deveria passar um tempo lá para ter essa realidade no currículo. Trabalhei na caatinga e no sertão, com pessoas que passavam muita necessidade material e espiritual. Eram 36 comunidades, uma mais distante que a outra, e o padre ia uma vez por mês. Teria ficado lá mais tempo, se não fosse a morte prematura do meu irmão aos 32 anos.

JC - Voltou para casa?

Pe. Edson - Fui para Passos de Minas porque ficava mais perto de Bauru. Também já passei por São Paulo e Curitiba (PR). Como religioso, tinha de viver em comunidade e podia ser transferido a qualquer momento para qualquer lugar. Por causa da Pastoral da Estrada, eu resolvi mudar de vida e pedi para ser padre diocesano, depois de 20 anos como rogacionista. Foi uma mudança radical, mas tive maior liberdade para tocar o projeto. Na estrada, você não deixa de ser padre, só que se torna também um missionário.

JC - O que faz a Pastoral da Estrada?

Pe. Edson - Não é uma invenção minha e sim um organismo da Igreja Católica. Há outros três padres no Brasil que celebram em postos de gasolina. Comigo, começou há 14 anos com moto, quando eu era diretor espiritual de um moto clube em Passos de Minas. E o pessoal começou a me chamar para os encontros de moto. Hoje recebo mais convites do que dou conta. Não posso aceitar todos pelos compromissos com a Paróquia São Brás.

JC - E a comunidade o apoia?

Pe. Edson - Sim! Hoje a Pastoral da Estrada, que tem 5 anos e é ligada à Paróquia São Brás, abrange motoristas e motociclistas. Conta com 19 pessoas, que ajudam muito. Algumas não participavam da Igreja antes e são importantíssimas no grupo. Há até pessoas de outras religiões. No encontro anual, temos mais de 100 pessoas envolvidas na organização e nos trabalhos voluntários, assim como as bandas, que abrem mão do cachê. Cerca de 20 moto clubes de Bauru também estão envolvidos.

JC - Quais são os planos da Pastoral?

Pe. Edson - Um dos projetos é ter um ônibus-capela para evangelizar nas estradas e participar de encontros. Mais do que celebrar missas, queremos chamar escolas dos locais onde estivermos para conhecer o ônibus e ouvir palestras, por exemplo, sobre alcoolismo e prostituição infantil, algo muito comum nas estradas, infelizmente. O ônibus vai nos ajudar a planejar melhor as ações e atender mais convites. Também fazemos um barzinho beneficente toda quinta, às 18h30, na Suzuki (rua Araújo Leite, 19-53) e o encontro anual de motociclistas. Já estamos na 4.ª edição do Tibiriçá Motorcycles: 50% da arrecadação fica com a comunidade local e a outra metade é para manter o trabalho da Pastoral e montar o ônibus.

JC - Que resposta tem das pessoas?

Pe. Edson - Entre os motociclistas há pessoas de muita fé, que precisam de alguém em quem confiem para se abrir. Falo sobre Jesus e a realidade deles, em uma conversa gostosa, seja na missa ou fora dela. Não adianta falar de Jesus e as pessoas não entenderem nem se interessarem. A celebração é momento de informar sobre Jesus e formar novas consciências, o que ajuda até na prevenção de acidentes. Trabalhamos muito a valorização da vida. E fico feliz quando me procuram para dizer que gostaram, que voltaram a ir à missa. Muitos até tiram foto comigo para mostrar para mãe! As pessoas não devem ir pelo que está atrás do altar, mas sim em cima dele: Jesus. De repente, sou só um gatilho.

JC - E como surgiu a paixão por moto?

Pe. Edson - Começou com meu irmão, o Luciano Jr. A gente era fissurado em motor. Brinco que a gasolina corre no sangue! Eu curto muito e preciso andar de moto. Aquela coisa do vento na cara dá uma sensação de ar novo... Só quem anda de moto entende. Quando era padre em Minas, já participava do moto clube, mas não tinha dinheiro para comprar uma moto. Então, comecei a estudar e a montar meu triciclo. Ninguém acreditava que ia dar certo, mas cada um dava uma peça. Em um ano e 2 meses ficou pronto e está ótimo até hoje, 14 anos depois. Também tenho uma moto V-Strom 650.

PERFIL

Edson Roberto Codato - Nascimento: em Bauru, no dia 02 de novembro de 1962; tem 54 anos. Família: sua irmã Sueli. O irmão Luciano Jr. e os pais Durvalina e Luciano são falecidos. Hobby: triciclo e moto. "Amo tudo que se refere a motor". Música: rock nacional e clássico (Iron Maiden, AC/DC etc). TV: Discovery Turbo e seriados criminais, tipo CSI. Filmes: de ação. "Com muito movimento e explosão, se não eu durmo!". Leituras: documentos da Igreja Católica e autores com ideias novas sobre religião

 

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