Regional

Município de Lins tem igreja ortodoxa grega

Aurélio Alonso
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Aurélio Alonso
Fachada do templo Panaghya Tsambika, a "Igreja dos Gregos", localizado em Lins

A Igreja Panaghya Tsambika de Lins é um patrimônio cultural artístico e religioso da região que estava se perdendo e ganhou relevância, a partir da restauração que vem sendo feita há seis anos pelo sacerdote melquita argentino Miguel Antonio Rossato (Pater Nectários, monge ordenado padre) e a religiosa Rosamari Valdor Rissoto, a Irmã Makrina (monja eremita).

O templo chegou a ficar fechado durante alguns anos e foi reativado com a vinda dos dois religiosos da Igreja Grego Melquita Católica.

O templo ortodoxo grego foi construído nos anos 50 por iniciativa do grego Stéfano Vassiliadis em homenagem a Santa Panaghya Tsambika, padroeira da sua terra natal: a ilha de Rhodes na Grécia.

Atualmente quem toma conta da igreja são os dois religiosos católicos do rito bizantino sob administração da Eparquia Nossa Senhora do Paraíso Greco-Melquita Católica do Brasil com sede na capital paulista.

A liturgia bizantina é também chamada de rito grego, da antiga Constantinopla (atual Istambul na Turquia), originária da Igreja Ortodoxa e da maior parte da Igreja Católica Oriental.

Irmã Makrina explica que o rito oriental católico é mais "radical" em termos de liturgia. "Uma parte do ritual é muito mais inflexível, mantemos uma tradição desde os anos 360 antes de Cristo. A missa no rito bizantino é celebrada no idioma local. Usamos incenso e a missa é em canto coral em diferentes tonalidades como era na Antiguidade ", explica.

Aurélio Alonso
Conhecida como "Igreja dos Gregos", o Templo Ortodoxo Grego "Áya Tsambika" fica em Lins

No culto latino as missas deixaram de ser celebradas em latim no final dos anos 60 com o Concílio Vaticano II. O rito oriental é precursor nas práticas da Igreja Primitiva. Mas as doutrinas apoiam-se nos livros do Novo Testamento, nos decretos dos sete primeiros concílios ecumênicos e nas obras patrísticas (corrente filosófica em que o desenvolvimento filosófico foi por filósofos padres da Igreja Católica).

Os dois argentinos também são restauradores de monumentos históricos e excelentes artesãos. Nos últimos seis anos, com dificuldades de levantar os recursos financeiros, eles recuperam a iconografia, conforme se referem às imagens sacras pintadas nas paredes da igreja. É um trabalho meticuloso para recuperar o acervo do pintor argentino descendente de grego Costas Santafeles, que produziu 159 ícones no ano de 1957.

A igreja instalada em Lins, de acordo com irmã Makrina, é um dos "tesouros" do Brasil. O templo é o primeiro construído no Estado de São Paulo. É considerado terceiro existente fora da Grécia da parte insular daquele país. Os outros dois existentes em homenagem a Nossa Senhora de Tsambika ficam na Ilha de Rhodes. Os demais templos da igreja oriental grega seguem uma arquitetura da parte continental daquele país. O prédio foi o primeiro tombado como patrimônio histórico municipal pela Prefeitrua de Lins em maio de 2007.

Templo ortodoxo é único no Interior

O templo da igreja "Panaghya Tsambika", mais conhecida pelos moradores de Lins de "Igreja dos Gregos", foi o primeiro imóvel tombado no município no ano de 2007 para que suas características arquitetônicas fossem preservadas, mas com a diminuição de fiéis e redução da comunidade grega o prédio chegou ficar fechado e também alvo de vandalismo. Atualmente, o padre melquita Miguel Antonio Rossato (o Nectários) e irmã Makrina (Rosamari Valdor Rissotto) são os responsáveis em manter o templo e há seis anos trabalharam na recuperação das pinturas e dos afrescos.

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Rosamari Valdor Rissotto, irmã Makrina, e padre Miguel Antonio Rossato, o Nectários, são os responsáveis pelo templo de Lins

A igreja está sob a administração da Eparquia Nossa Senhora do Paraíso Greco-Melquita Católica do Brasil. No local continua a ser celebrada missa, mas no rito bizantino. Embora seja um templo ortodoxo, a Missão Lins assumiu com a vinda dos religiosos argentinos do segmento do catolicismo oriental.

O brasileiro conhece mais a igreja latina de rito romano. A ortodoxa é uma igreja que também pertence à Cúria do Vaticano e se reporta ao papa Francisco, mas mantém o rito bizantino, da Igreja Oriental. "Somos todas uma igreja só, mas o rito bizantino a liturgia muda um pouco em relação à igreja católica latina", explica irmã Makrina, de 64 anos, que atualmente se recupera de um câncer, após tratamento em hospital de Bauru.

Uma parte das Igrejas Ortodoxas voltou a se unir à Igreja Católica Romana e são chamadas de Igrejas Católicas do Rito Oriental. "Na Terra Santa, o rito é da Igreja Oriental. Jesus Cristo era oriental", emenda a religiosa.

Os ritos da igreja ortodoxa são solenes e não são usados instrumentos musicais, apenas o canto coral.

No interior do templo é proibida imagens esculpidas, mas veneram-se os ícones que representam santos, Jesus e Maria. Na igreja de Lins são 159 ícones em vários pontos do prédio.

O sacramento da santa unção pode ser administrada aos fiéis em casos de enfermidades, e não só no momento de risco de vida, como na igreja romana. A hóstia é dada somente aos enfermos.

Nas missas, segundo padre Nectários, é utilizado um pão que é molhado no vinho e depois passado aos fiéis. O batismo é por imersão como na Antiguidade e a data da Páscoa (Ressurreição) não coincide com a da Igreja Católica.

No Brasil, além do templo de Lins há outros semelhantes em Juiz de Fora, Taubaté, São Paulo e dois em Fortaleza. Ao todo são oito padres. 

Restauração é feita pelos religiosos

A beleza do templo da Igreja de Nossa Senhora de Tsambika ("Igreja dos Gregos") de Lins está mais no seu interior com suas imagens do que a concepção da parte externa. Ao entrar em suas instalações já nota a arquitetura diferente em comparação às igrejas católicas.

Primeiro, não tem estátua, mais muita pintura de santos e personagens bíblicos nas paredes. A imagem é denominada de ícone pelos católicos de rito bizantino.

Acervo da Igreja Ayá Tsambika
A irmã  Rosamari Valdor Risotto, irmã Makrina, participa da restauração  

Padre melquita Nectários (designação de Miguel Antonio Rossato) explica: "Não se pinta um ícone e sim escreve. Os antigos cristão 'liam' ícones. As imagens são reproduções de fatos bíblicos. Nós se comunicamos por meio dessas imagens". No templo em Lins são 159 ícones que precisam ser restaurados, alguns deles a tinta já está desaparecendo da parede. Interessante também é de que nem todo tipo de imagem é um ícone. Existem determinados padrões estéticos, simbologias. O ícone segue o mesmo padrão descritivo da santas escrituras, mostrando os fatos e as pessoas desde o ponto de vista de Deus, segundo site "Vida Ortodoxa".

Em seis anos foi possível recuperar várias das imagens e sem muitos recursos financeiros e na base de pequenas ajudas da comunidade e doação de material. Também não se conseguiu uma linha de financiamento pública, embora houve tentativa por meio de leis de incentivos fiscais.

Há necessidade do restauro de diversos ícones, tanto os pintados sobre tela quanto os afrescos, a reconstrução de partes da edificação (claustro) que ruíra com tempo e a conservação de todo o restante da estrututa.

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Uma das imagens recuperadas que fica na entrada da igreja 

A concepção arquitetônica dos templos bizantinos e o padrão de culto se empenham em criar uma atmosfera de adoração, elevando a mente e a alma do fiel em adoração para o Reino de Deus por meio de todos os seus sentidos sensoriais, explica irmã Makrina. "O padrão de culto bizantino é apostólico na origem e claramente se desenvolveu a partir do culto do Templo e da sinagoga judaico revelado pelo próprio Deus nas escrituras como um 'exemplo e sombra das coisas celestiais' (Hebreus 8,5), ou seja, o culto de oração que continua no céu 'sem cessar' (1 Tessalonicenses 5,17)", contextualiza a irmã Makrina com vasta experiência em restauração, tendo participado de recuperação de outros acervos religiosos na Itália, Grécia, México, Chile, Uruguai e Argentina.

Outro detalhe também que chama atenção que a religiosa explica é que a influência grega na arquitetura e na pintura vem da parte insular da Grécia e não da área continental.

"Os ícones têm particularidades de não serem comuns, mas influência muito forte da arte veneziana da Itália, cujo povo teve incursões na Antiguidade nas Ilhas gregas", cita a religiosa.

As cores dos ícones da igreja ortodoxa de Lins têm também uma diferença com as tonalidades de imagens dos gregos da área continental. Por isso que o templo é o único fora da Grécia entre as três Américas. A influência é da ilha de Rhodes, de onde Stéfanos Vassiladis viveu e decidiu construir o templo para homenagear Nossa Senhora Panaghya Isambika, padroeira daquela localidade. Segundo padre Nectários, as cores na iconografia têm todo um significado. "Não é um desenho que se pode fazer livremente. Ícone representa sempre alguém", cita o padre. O verdadeiro ícone é sempre feito por um ortodoxo, seguindo forma tradicional e nunca expressam a individualidade do artista.

Grego construiu o templo

Divulgação
Stéfanos Vassiladis residiu em Lins e foi quem construiu o templo 

No templo há uma frase atribuída a Stéfano Vassiladis: "A vida é um mistério, e cada ser, outro mistério". Ele é o grego que chegou em Lins em 3 de abril de 1951 e decidiu construir em 1956 uma igreja em homenagem a santa padroeira da Ilha de Rhodes. O templo ortodoxo grego foi oficialmente entregue à população linense em 1957. Para quem chega ao átrio da igreja encontrará outra inscrição: "Templo edificado e doado às almas cristãs". 

Stéfano Vassiliadis construiu a igreja com recursos de suas próprias custas de recém-chegado da Grécia. Irmã Makrina conta que o homem que transformou em arado um velho tanque de guerra, terminou seus dias construindo um barco, com o qual sonhava retornar à sua terra natal para morrer.

No site da igreja ela conta que sabe-se pouco de Stéfano. "Esse homem que muitíssimas pessoas dizem haver conhecido, mas sobre quem poucos, ou ninguém, sabe alguma coisa".

Ele nasceu numa ilha grega, e viveu a guerra no velho continente, depois viajou por muitos lugares.

No Brasil plantou arroz às margens do rio Tietê, mas morreu no Paraguai, deixando memórias indeléveis e um barco sem terminar. "Assim pensava este homem, sua visão foi de 'almas cristãs', sem sectarismos, sem divisões, sem segregações ou exclusões", consta numa pequena biografia registrada no site da igreja.

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