O ano era 1918. Havia uma guerra em curso no mundo. O Brasil passava por um momento de efervescência cultural e quebra de paradigmas, em que a mulher começava a ser vista passeando sozinha pelas ruas, embora os segmentos mais resistentes da sociedade insistissem em retratá-la como aquela que deveria se voltar, unicamente, aos cuidados com os filhos, o marido e o lar.
| JuRehder |
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| Perfil mães de Bauru |
Em maio daquele ano, pela primeira vez, o Dia das Mães foi comemorado no País. Cem anos depois, muitas coisas - mas nem todas - mudaram. Em Bauru, hoje, quase 100 mil mães comemoram o centenário da data, enfrentando ainda muitos dilemas quando se veem diante do desafio de educar os filhos e tentando lidar com o sentimento de culpa e frustração quando nem tudo funciona como o esperado. Mãe também é ser humano e falha, mas dói falhar com quem tanto se ama.
Porém, apesar de tamanha responsabilidade - ainda longe de ser dividida por igual com os homens - as mães contemporâneas, em sua grande maioria, garantem que a experiência de gerar e entregar novos cidadãos para o mundo continua sendo única.
Na cidade, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), elas são 98.741 mulheres, das mais diferentes idades e tonalidades de pele, com condições sociais e níveis de escolaridade distintos, assim como o número de filhos, as vivências e a bagagem carregada ao longo da jornada.
MAIS DA METADE
Os dados mais recentes, do Censo de 2010, revelam que elas correspondem a mais da metade do total de habitantes do sexo feminino em Bauru. Destas quase 100 mil, as mães adolescentes representam apenas 0,5% e as com mais de 70 anos, 11,6% (veja quadro).
As que não tiveram oportunidade de frequentar a escola ou não completaram o ensino fundamental - como é o caso de Maria Cardoso dos Santos, 80 anos, que recebeu o JC para contar sua história nesta data especial - somam 40,7% do total de mães na cidade. Já as com ensino superior completo correspondem a 13,4%.
As casadas representam 53,8% das mulheres que têm filhos e as separadas, divorciadas ou solteiras, juntas, chegam a 31,6%. São números que guardam muitas histórias. Algumas delas você vai poder conferir aqui.
Mamãe quase 'recém-nascida'
| Érika Turci |
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| Patrícia Santos Prudêncio: mãe de primeira viagem |
Diz a sabedoria popular que, quando nasce um bebê, também nasce uma mãe. Assim, pode-se dizer, a enfermeira Patrícia Santos Prudêncio, aos 36 anos, é quase uma mamãe recém-nascida. Até o fechamento desta edição, o pequeno Rafael dava todos os sinais de que estava prestes a vir ao mundo para concretizar o sonho alimentado por ela e o marido nestes últimos cinco anos.
Mãe de primeira viagem, quando conversou com a reportagem, na quinta-feira, Patrícia estava no intervalo entre as primeiras contrações do parto e ansiosa pelo mundo que estava prestes a descobrir.
"É uma grande expectativa, porque a nossa vida vai mudar completamente. Ao mesmo tempo em que faço planos de começar a retomar minha rotina profissional daqui a quatro meses, também fico sonhando, pensando em tudo o que esta experiência vai me trazer", conta ela, que também é professora de pós-graduação e idealizadora de uma página de aconselhamento para gestantes no Facebook.
Felizmente, Patrícia conta com um marido comprometido em ser um pai presente. É com ele que Rafael ficará quando a mãe voltar a dar aulas, em setembro, inicialmente apenas aos sábados. "Aos poucos, vamos descobrir como vai ser e, só depois, pensar na possibilidade de um segundo filho. Não queremos terceirizar os cuidados, porque educar uma criança é uma responsabilidade enorme. Vamos dar nosso melhor para que ele seja uma pessoa boa e feliz".
| Aceituno Jr. |
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| Maria Cardoso dos Santos rodeada pelos netos Isabela, Raqueli, Gustavo, Diego e Andrei, na casa da família |
"Mãe dos netos"
Foi do pequeno município de Porteirinha, em Minas Gerais, que Maria Cardoso dos Santos, hoje com 80 anos, partiu ainda jovem com cinco crianças para morar em Bauru e tentar uma vida melhor. Aqui, a prole aumentou para 15 filhos. Mas, destes, apenas sete sobreviveram aos primeiros anos de vida.
Da lida com a cana-de-açúcar na roça para função de lavadeira em um restaurante da cidade, Maria trabalhou até se aposentar. Com os filhos crescidos, hoje ela acolhe cinco netos - Andrei, Diego, Gustavo, Isabela e Raqueli - em sua casa simples, mas cheia de amor e respeito, no Parque das Nações.
"Recolhi as crianças do abrigo. O pai, que é meu filho, mora do Jardim Europa. Faz seis anos que consegui a guarda delas, senão tinham ido para adoção", conta a matriarca, que contabiliza, sem saber precisar, mais de 30 netos e bisnetos na família. "Cheguei a amamentar o neto mais velho e meu filho caçula ao mesmo tempo, um em cada peito, porque eles nasceram na mesma época", revela.
A casa de Maria e do marido, Clemente Souza dos Santos, recebe o tempo todo a visita de parentes que, assim como os netos que vivem no imóvel, pedem a benção do casal sempre que chegam e partem. Apesar das dificuldades, a aposentada diz estar realizada a esta altura da vida, por ter tido saúde e acreditado que todas as suas lutas eram possíveis.
"Deus me deu o destino de ser mãe, me marcou para cuidar das pessoas. Nos meus 80 anos, se eu não tivesse ficado com a cabeça boa para cuidar de todo mundo que eu cuidei, eu já estava doida, mas, graças a Deus, eu não estou ainda. Não tenho do que reclamar".
| Aceituno Jr. |
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| Luiz Guilherme ensinou a mãe Letícia Costa a torcer pelo basquete |
"Pãe" com orgulho
Com uma criança de cinco meses no colo, a advogada Letícia Costa, 41 anos, se viu diante do desafio de educar um filho, Luiz Guilherme, sozinha. O pai, de quem havia acabado de se separar, voltou para a cidade de origem, na Bahia, e, hoje, só vê o garoto uma vez ao ano.
"Sempre tive a preocupação de estimular o contato com a família paterna. Tinha o receio de meu filho crescer e acreditar que eu criei algum tipo de empecilho nesse sentido", conta a advogada, garantindo que o menino, hoje com 10 anos, não carrega traumas sobre o assunto.
"Ele me vê como pai e mãe. É um assunto bem resolvido. No Dia dos Pais, ele faz o cartãozinho na escola para mim. Foi uma iniciativa dele desde o início. E a gente comemora juntos. Para mim, é um motivo de orgulho", afirma.
Apesar de conversar periodicamente com o pai pelo telefone, é a mãe quem acode Luiz Guilherme em todas as situações do dia a dia. E com ele, ela aprendeu a torcer pelo Sendi/Bauru.
"Não ter com quem dividir torna minha responsabilidade muito maior. Mas, a cada boletim escolar que meu filho traz, a cada elogio que alguém faz sobre ele, eu percebo que estou no caminho certo. Ele é um menino muito melhor do que eu poderia imaginar", comemora.
Mãe especial
| Arquivo Pessoal |
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| Aline Almeida Cordeiro parou de trabalhar para cuidar da filha Bárbara |
Autismo, paralisia cerebral, cisto aracnoide, síndrome de Dandy Walker. Todos esses problemas de saúde com repercussões tão pouco conhecidas pela maioria de nós passaram a fazer parte da rotina da dona de casa Aline Almeida Cordeiro, 27 anos, quando ela se tornou mãe.
E uma mãe especial, por assim dizer. Bárbara, hoje com 9 anos, está conseguindo dar os primeiros passos, o que é motivo de comemoração nesta semana. A rotina das duas, que vivem sozinhas, nunca foi fácil, mas, nos últimos dias, ambas enfrentaram um período delicado de afastamento.
Recém-operada de uma apendicite, a dona de casa permaneceu internada por quatro dias, sem ver a filha. "A Bárbara mandava áudio no WhatsApp dizendo que estava com saudade. Eu ficava morrendo de dó, não parava de pensar nela um minutinho sequer, mas sei que precisava estar inteira para poder cuidar dela", pondera.
Como ficará dois meses sem poder fazer esforço físico, Aline dependerá da ajuda de parentes para os cuidados com a garotinha. Ao mesmo tempo, aguarda receber a doação de um capacete especial, já garantido depois de iniciar uma campanha, que foi divulgada no início do mês pelo JC.
"Esse capacete (igual aos utilizados em treinos por lutadores de artes marciais) vai proteger a Bárbara porque, quando ela fica agitada, costuma bater a cabeça na parede. É um equipamento que custa em torno de R$ 600,00, valor que eu não teria condições de pagar", conta.
Como a menina depende integralmente da mãe, Aline deixou de trabalhar e as duas vivem, hoje, apenas com o benefício garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). "Não é fácil, mas, quando você vê uma pequena evolução, tudo vale a pena. É um amor incondicional e vou sempre lutar pelo melhor para a minha filha", diz.
Você sabia?
O Dia das Mães foi criado nos Estados Unidos, em 1914, quando uma moradora do estado da Virgínia, Anna Jarvins, decidiu homenagear sua falecida mãe. Mas a comemoração só chegou ao Brasil em 1918, trazida pelo então secretário-geral da Associação Cristã de Moços do Rio Grande do Sul (ACM-RS), Frank Long. A primeira celebração foi realizada em Porto Alegre e, aos poucos, começou a ser difundida. Em 1932, o presidente Getúlio Vargas oficializou a data no segundo domingo de maio.
'Maternidade é algo fantasiado'
Avaliação é da psicóloga Olga Rodrigues, para quem a idealização por parte da sociedade pode tornar a experiência frustrante em alguns momentos
| Samantha Ciuffa |
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| Olga Maria Rodrigues: dificuldade nem sempre é admitida |
Ter um filho pode ser uma experiência fantástica, mas nem tudo são flores. A imagem da mulher forte, poderosa e infalível nem sempre condiz com a realidade e esta romantização gera uma autocobrança que pode tornar a vivência da maternidade frustrante em alguns momentos.
É o que afirma a psicóloga Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues, professora do departamento de psicologia da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru. "A angústia que existe na maternidade não é muito bem acolhida, então, muitas vezes, a mulher não se permite confessar que não sabe o que fazer, que está mal. A maternidade é mais fantasiada do que deveria e esta cultura precisa mudar, porque as mães sofrem muito por não conseguirem alcançar esta idealização", analisa ela, que é mãe de três filhos.
Com as famílias cada vez menores, diz a professora, o nível de insegurança de quem se torna mãe nos dias atuais tende a piorar já que, antigamente, quando os núcleos familiares eram mais numerosos, os filhos mais velhos podiam observar os pais cuidando dos irmãos mais novos e estes, por sua vez, verem os irmãos mais velhos cuidando dos seus filhos. "Essa aprendizagem familiar não existe mais e, hoje, a mãe se vê sozinha, sem saber como lidar com aquele filho, enquanto a comunidade inteira está cobrando isso dela", observa.
PARTICIPAÇÃO PATERNA
Uma transformação positiva, por outro lado, tem sido a maior participação dos pais, de todas as classes sociais, na criação dos filhos, o que têm contribuído para que a mulher desempenhe melhor seus outros papéis sociais. "Além de permitir que a mulher trabalhe melhor, esta divisão de tarefas permite que ela preserve sua própria identidade, seus sonhos. E este envolvimento paterno é benéfico não apenas para a mãe, mas também para a criança", diz.
Em redes sociais, já existem movimentos de mães se unindo para compartilhar experiências e refletir sobre a "maternidade da vida real", o que funciona como ponto de apoio para quem está enfrentando dificuldades para lidar com seus dilemas. Olga Rodrigues acredita, no entanto, ser necessário ir além, com a implantação de políticas públicas que ofereçam suporte efetivo à saúde emocional da mãe desde a gestação até o pós-parto.
"Se uma pessoa não está bem, ela não consegue cuidar de outra, o que pode acarretar sérias consequências no futuro desta criança e para ela própria. Ser mãe é uma experiência que eu, como mãe, recomendo. Ter filho dá um sentido diferente para a vida. Mas as mulheres precisam ser melhor amparadas, orientadas e compreendidas para que possam ser não a mãe ideal, mas a melhor mãe que elas podem ser", completa.





