O título acima é uma das muitas definições de Sigmund Freud visando entender o funcionamento da mente humana. Ouvi sobre ela na semana passada, durante interessante diálogo entre o filósofo Vladimir Safatle e a psicanalista Maria Rita Kehl, em um dos melhores programas da televisão brasileira, o Café Filosófico, na TV Cultura, parceria da emissora com a CPFL.
Eles falavam sobre o afeto e a política.
Resumidamente, narcisismo das pequenas diferenças é uma espécie de repugnância gratuita e primária que temos por pessoas ou grupos de nosso próprio meio social, que têm afinidades naturais conosco. Mas não nos damos bem com eles, mesmo tendo tudo para uma convivência em harmonia, eis que existem muitos interesses em comum entre os conflitantes.
Em 1918, o pai da psicanálise chamou pela primeira vez de narcisismo das pequenas diferenças tudo o que pode levar um grupo, uma cidade, uma região ou até um país a se incomodar com meras e minúsculas diferenças entre seus membros, que acabam se transformando em antipatias, rixas e até guerras. Exemplo menor: vizinhos que não se suportam. Exemplo maior: rivalidade entre brasileiros e argentinos.
Em outro ângulo de visão, o narcisismo das pequenas diferenças nos mostra a importância de não ignorarmos o fato de que, muitas vezes, os embates mais violentos são perpetrados entre indivíduos, grupos e comunidades que diferem muito pouco entre si.
Exemplificando o conceito, Freud afirma que "entre duas aldeias vizinhas, uma é a rival mais invejosa da outra; cada pequeno cantão olha com desprezo para os outros. Raças intimamente conectadas mantêm uma distância mínima entre si; o alemão do sul não suporta o alemão do norte, o inglês difama de todas as formas o escocês, o espanhol despreza o português".
Talvez a intolerância, em alta e ressaltada pela velocidade e interatividade da Internet, esteja ligada a esse fenômeno. Certamente está...
E o que é o ser narcisista? A mais conhecida versão desse mito diz que Narciso era filho do deus Cefiso e da ninfa Liríope. No dia em que ele nasceu seus pais consultaram o futuro da criança com o adivinho Tirésias, que afirmou: o bebê teria vida longa desde que jamais contemplasse a própria figura. Narciso cresceu, tornou-se um jovem de beleza extraordinária, todos que dele se aproximavam se apaixonavam imediatamente. Muitas ninfas apaixonaram-se por ele, porém o jovem Narciso não se interessava por nenhuma delas. Uma das Ninfas de nome Eco apaixonou-se perdidamente, mas foi desprezada. A deusa da vingança Nêmesis apiedou-se da dor de Eco e das demais que o amavam sem serem correspondidas e induziu Narciso, depois de uma caçada, a debruçar-se numa fonte para beber água e assim contemplar sua própria figura no reflexo da água. Foi quando Narciso apaixonou-se perdidamente por sua própria beleza, ficando ali por muito tempo a contemplar-se até morrer. As Ninfas que o amavam fizeram-lhe uma mortalha e quando foram buscar o corpo de Narciso, no local encontraram apenas flores: o Narciso, a flor de Narciso.
Na psicologia, o termo Narcisista é utilizado para designar uma pessoa encantada com a própria beleza, que se preocupa apenas com a sua vaidade, quase sempre alienada do que realmente se passa à sua volta. Um ser que se julga superior em razão de sentir-se extremamente belo quando se compara aos demais seres humanos que o cercam.
Safatle e Kehl discutiam que talvez as grandes mudanças por que ansiamos tenham que passar antes (ou ao mesmo tempo) por nós mesmos, interiormente, e depois em relação às demandas políticas e econômicas. Caso contrário, nada de novo vai acontecer, realmente.
Como concluiu o Café Filosófico sobre afeto e a política, 'novos sujeitos e novos jeitos de estar no mundo produzem um novo mundo'
O afeto é algo inato em nós e nos ajuda a responder positivamente ou negativamente às nossas experiências emocionais relacionadas a pessoas ou objetos. Ter afeto é ter a capacidade de dar e receber, de amar e de ser amado.
Deixemos narciso apenas como uma flor.