| Douglas Reis |
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| Viaturas da Polícia Militar (PM) prestaram apoio no cumprimento de mandados na prefeitura |
Promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em Bauru denunciaram à 4.ª Vara Criminal de Bauru sete pessoas, apontando a prática de formação de quadrilha, advocacia administrativa, falsidade ideológica, estelionatos, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A ação penal assinada pelos promotores do Gaeco Guilherme Sampaio Sevilha Martins, Daniel Passanezi Pegoraro, André Gandara Orlando e Luis Cláudio Davansso, além do promotor Julio César Rocha Palhares, individualiza condutas ilícitas dos denunciados para acusar irregularidades envolvendo a tentativa de registro e aprovação do Loteamento chamado Chácaras Terra Branca, localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) Campo Novo, atrás da região do IPMet (Unesp), com 1 milhão de metros quadrados.
A ação penal foi movida contra o procurador-geral do município, Ricardo Chamma, sua esposa Paula Valéria Coiado Chamma, o empresário do setor imobiliário Antônio Carlos Gomes, os servidores da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan) Thelma de Souza Azevedo e Diego Roxo Pereira, o consultor Ezequiel Saldanha e o advogado Luiz Augusto Lodeiro de Mello.
Produto de investigação iniciada em maio do ano passado, a Operação Sete Mãos teve ontem pela manhã o cumprimento de mandados de busca e apreensão na residência do procurador Ricardo Chamma e em seu local de trabalho, a Procuradoria-geral do município. A Justiça ainda determinou o afastamento do cargo contra os servidores denunciados.
Conforme a equipe do Gaeco Bauru, a ação teve origem em mais de uma denúncia feita em relação ao loteamento Chácaras Terra Branca, fato principal do inquérito criminal. "A sequência dos processos administrativos que trataram da tentativa de registro e aprovação do loteamento mostra os fatos ilícitos. A certidão emitida com fraude trata da situação fática que chamou a atenção. Ao longo da investigação, todos os elementos da denúncia foram levantados", apontam os promotores.
O grupo de investigação menciona que o loteamento teve como primeira intenção ser iniciado em 1979, por outro proprietário. O parcelamento do solo não prosperou e o processo envolvendo a gleba ficou parado por muito tempo, com o caso voltando a ser levantado em 2016. "Dessa tentativa de registro e aprovação irregular realizada a partir de 2016, decorreram inúmeros fatos ilícitos envolvendo os denunciados. A prova documental, pericial, de escuta telefônica são fartas", avaliam os promotores.
Sobre a gleba de 1 milhão de metros quadrados, ela foi inserida no perímetro urbano de Bauru em 1982. Mas a pretensão de loteamento não teve nenhuma infraestrutura realizada e não havia averbação do registro no Cartório de Imóveis. Assim, "a certidão municipal falsa veio para viabilizar a regularização do loteamento, ao arrepio da lei e para obtenção de vultoso proveito econômico", traz a ação.
Os denunciados serão citados a apresentar defesa prévia (leia o que diz a defesa dos acusados abaixo). Em seguida, a ação penal segue o curso de oitiva de testemunhas, provas e relatório final para julgamento.
O MP também está encaminhando toda a investigação para análise de eventuais ações no âmbito da improbidade administrativa contra os servidores. O Gaeco ainda enviou relatório à prefeitura apontando a série de falhas no controle interno que facilitaram a ocorrência de fraudes.
PAPEL DE CADA UM
Como ocorre nesse tipo de ação, com vários denunciados, a equipe do Gaeco individualiza cada participação no caso, isolada ou em grupo.
Assim, conforme a ação penal, os servidores da Seplan Thelma de Souza Azevedo e Diego Roxo Pereira inseriram declaração falsa na certidão pública relativa ao loteamento Chácaras Terra Branca, em novembro de 2016, "com o fim de alterar a verdade de fato juridicamente relevante".
A fraude é considerada peça chave para sustentar a tentativa de regularizar o loteamento. O sócio majoritário da gleba, Antônio Carlos Gomes, o procurador Ricardo Chamma, o advogado Luiz Augusto Lodeiro de Mello e o consultor Ezequiel Saldanha, associados, concorreram para o crime, segundo o Gaeco, como partícipes da falsidade ideológica acusada contra os servidores Thelma e Diego, coautores.
Para regularizar o registro do loteamento era preciso que a certidão trouxesse a informação de que é irreversível o alegado parcelamento de solo na gleba. Isto foi feito por Thelma e Diego no documento emitido na Seplan. A tese de "irreversibilidade" tentaria se valer da previsão em lei de que é possível regularizar parcelamento de solo onde é irreversível a abertura de ruas.
Porém, diz o MP, esta regra se aplica a casos de ocupação por carentes. Além disso, a gleba "nunca foi parcelada de fato, nunca houve morador lá, a não ser o caseiro por um tempo, e o terreno está em APA, conforme perícia técnica que está no processo judicial", trazem os promotores. Para o Gaeco, Antônio, Chamma, Lodeiro e Ezequiel se associaram para o fim específico de cometer crime de falsidade ideológica.
Para satisfazer os ilícitos, o procurador Ricardo Chamma atuou e patrocinou, direta e indiretamente, o interesse privado e ilegítimo do empresário Antônio Gomes, diz o Gaeco. "As provas são robustas de suas interferências junto à Seplan, no Cartório, nas reuniões com os interessados que se associaram para o ilícito. Tudo aconteceu até o final de 2016, consideramos, para tentar resolver a aprovação irregular do loteamento ainda durante o governo anterior.
Esposa do procurador, Paula Valéria Coiado Chamma, segundo a ação penal, ajustada com o marido, ocultou a origem de cheque de R$ 6.105,74 depositado em sua conta, isso entre 8 e 10 de fevereiro de 2017. "O valor foi proveniente da corrupção passiva realizada a partir da ação do consultor Ezequiel Saldanha. Este obteve vantagem ilícita através de três cheques, um deles sendo de R$ 6.105,74 repassados à esposa do procurador. A esposa do procurador alegou que o valor foi para pagar por serviço de arquitetura a Ezequiel, o que nunca aconteceu", descreve a denúncia.
Os três cheques obtidos pelo consultor Ezequiel vieram, contam os promotores, da indução a erro do sócio minoritário das terras, João Parreira de Miranda. "Com a apresentação de documento falso, com discriminação irreal de valores devidos pela vítima para a regularização do loteamento, Ezequiel Saldanha praticou estelionato e recebeu os cheques, sendo um depositado na conta da esposa do procurador e o outro em sua conta no valor de R$ 19.515,00", descrevem.
Para o Gaeco, o proprietário Antônio Gomes tinha pleno conhecimento dos ilícitos práticos com o fim de beneficiá-lo na regularização irregular do loteamento. "A cadeia de fatos ilícitos foi delegada para ser realizada por Ezequiel e Luiz Augusto, com a interferência e participação ativa do procurador Chamma", denunciam.
Os promotores descrevem, ainda, encontros de Chamma, sozinho e com Ezequiel, com João Parreira para buscar convencê-lo para a regularização do loteamento. O empresário detinha um terço da gleba e tinha rompido sua sociedade com Antônio Gomes. "Além de patrocinar negociação de interesse privado, sendo procurador-geral, Ricardo Chamma ainda atuou junto ao Cartório de Registros em favor também do interesse do particular", acrescenta a ação.
Advogados de defesa afirmam que provarão inocência de seus clientes
Advogado de Diego Roxo Pereira, Milton Dotta Junior limitou-se a dizer que a inocência do servidor será provada. "Ele não praticou nenhum ato contrário à lei", frisa.
O advogado José Fernando do Amaral Junior, representante legal de Thelma de Souza Azevedo, diz que terá tranquilidade para produzir provas de que ela, acusada de falsidade ideológica, não teve responsabilidade na alegada fraude de documentos. "Ela afirma que digitou apenas uma das certidões, que é espelho de uma outra que já consta nos arquivos da prefeitura desde 1998, e que não assinou este documento. E nega ter digitado a outra certidão, que também não foi assinada por ela", afirma.
Já o advogado do consultor Ezequiel Saldanha, Maurício Augusto de Souza Ruiz, informou que aguardará ter acesso a todos os documentos e informações que constam no procedimento interno criminal elaborado pelo Ministério Público para se manifestar. "Mas, de antemão, posso adiantar que a inocência do nosso cliente será provada no curso do processo", diz.
A mesma afirmação foi feita pelo advogado Evandro Dias Joaquim, que defende Luiz Augusto Lodeiro de Mello. "Ele é um advogado renomado em Bauru na área de empreendimentos imobiliários e, espontaneamente, colaborou com as investigações do Ministério Público. Com bastante tranquilidade, terá oportunidade de provar sua inocência", assegura.
Advogado de Antônio Carlos Gomes, Thiago Tezani garantiu que a conduta do empresário foi completamente lícita e que a inexistência de crime já está provada no procedimento interno do Ministério Público. "Será tranquilo comprovar sua inocência", destaca.
O procurador-geral do município, Ricardo Chamma, e sua esposa Paula Valéria Coiado Chamma também foram procurados pela reportagem nesta segunda-feira, mas não retornaram as ligações.
Procurador é afastado e prefeito fala em reestruturação
A Prefeitura de Bauru informou, no final da manhã dessa segunda (6), que os servidores envolvidos no caso serão afastados até a conclusão do processo. O procurador-geral Ricardo Chamma sairá do cargo, a partir de hoje. "Até a semana que vem, devemos anunciar um novo procurador-geral, que pode ser inclusive alguém de fora do governo", disse o prefeito Clodoaldo Gazzetta (PSD), uma vez que o cargo é de livre nomeação.
O chefe do Executivo disse ainda que o governo está colaborando com as investigações, e que vai reestruturar o setor de aprovação de projetos na Secretaria de Planejamento (Seplan). No novo organograma que ainda deve ser enviado para a Câmara, a pasta será dividida, com parte indo para o Instituto de Planejamento (IP) e outra para a Secretaria de Fiscalização e Licenciamentos, que serão criados. "Estamos dando o respaldo ao Ministério Público, o nosso governo considera fundamental essa transparência. A aprovação de projetos será digitalizada, com o menor contato entre empresários e servidores públicos", relata.
Gazzetta ainda confirma que, nas próximas semanas, deve encaminhar para a Câmara Municipal o projeto de lei normatizando as contrapartidas de empreendimentos, firmando com clareza o valor que deve ser repassado, proporcional e compatível ao tamanho do empreendimento. O valor será usado para investimentos na cidade.
Artifício
A ação diz que, para tentar a regularizar o loteamento no 1.º Cartório de Registro, os denunciados se valeram da então lei que tratava de regularização fundiária à época (11.977/09). Esta facilitava regularizações para imóveis de baixa renda, permitindo novos parâmetros de ocupação de solo precária, como assentamentos informais. A ideia foi usar esta regra para confirmar que no loteamento havia ocupação consolidada. "Os denunciados optaram maliciosa e deliberadamente pela regularização fundiária, ao invés de seguirem os parâmetros da lei 6.766/79 que dispões sobre o parcelamento do solo urbano", diz a denúncia.
Para isso, a certidão falsa tinha o objetivo de apontar a "irreversibilidade" na ocupação. "A perícia técnica mostra que não existe a tese de irreversibilidade da ocupação. O loteamento nunca esteve implantado, consolidado e com ocupação de moradias, muito menos de forma irreversível. A terra é rural, com cerca", cita o Gaeco. De outro lado, os acusados não utilizaram a lei de parcelamento de solo porque, conforme os prazos, a aprovação original já teria "caducado". Além disso, a gleba rural foi regulamentada como APA a partir de 2000, com proibição de parcelamento a fins urbanos. Hoje, o Plano Diretor permite ocupação de APA, desde que no perímetro e conforme regras do plano de manejo da área.
