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Prefeituras querem patrimônio ferroviário

Aurélio Alonso
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Antiga estação ferroviária do Distrito de Alfredo Guedes em Lençóis pertenceu à antiga Sorocabana

Há um patrimônio arquitetônico e histórico valioso na região que vem se perdendo com o abandono e descaso ambiental da União, composto de bens de uso especial de extensos trechos desativados de estradas de ferro e, também, de inúmeros bens dominiais que passaram a pertencer ao governo por força de transferência patrimonial legal das extintas empresas Ferrovia Paulista S.A (Fepasa) e Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). A via foi privatizada em 1998, mas o patrimônio ficou sem uma destinação adequada e tem áreas do século passado. Há prédios de estações e áreas que poderiam servir para assentamento. Passados 20 anos tudo isso ainda está indefinido.

O Ministério Público Federal (MPF) por meio do procurador André Libonati move uma ação civil pública que tramita na 1.ª Vara Federal de Bauru que busca por meios legais acionar a União para que ela tome as providências de destinar em definitivo essas áreas aos municípios. 

A ação civil é desdobramento de sete inquéritos civis públicos instaurados para apurar invasão em área férrea ativa e inativa localizada no município de Pederneiras, de regularização de áreas da extinta Fepasa no município de Agudos, de terrenos remanescentes de Piratininga, de Cabrália Paulista, Duartina e da extinta RFFSA no município de Avaí.

A Secretaria do Patrimônio Público com escritório em São Paulo informa que vem se estruturando e criando mecanismos para resolver esse problema ou, pelo menos, minimizá-lo.

No levantamento do MPF há inúmeros desses bens federais que estão em situação de abandono imobiliário e descaso ambiental, no entanto, há na lista alguns que já foram restaurados, mas as prefeituras ainda não têm a posse definitiva da área. Agudos, por exemplo, há duas estações que vem sendo utilizadas para escola e Conselho de Turismo, com boas condições de conservação, porém há imóveis remanescentes.

Os mais antigos são de trechos de ferrovia que nem existem mais, como os de imóveis e áreas em Duartina e Cabrália Paulista. Ali o trem parou de trafegar em 1 de maio 1976, com a substituição do trecho Bauru-Garça pela variante atual, mais curta e que corre mais ao norte. A estação foi inaugurada em 1925, ainda no ramal de Agudos, e foi demolida nos anos 80. A única área remanescente é um trecho de estrada vicinal.

O secretário de governo de Duarina, José Domingos Giovanetti Junior, afirma que para construção da rodoviária foi necessário derrubar o prédio da antiga estação. Em outras gestões os imóveis mais antigos da ferrovia acabaram sendo adquiridos pela prefeitura no ano 1983 e destinadas para serem utilizadas para empresas do município. Há ainda algumas casas que foram alugadas. Já no caso de Pederneiras, a antiga estação de Guaianás nem mais existe, no entanto, houve uma invasão à área por sem-terra e gerou uma tentativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-SP) de adquirir o terreno para assentamento, porém não prosperou.

De acordo com a assessoria de comunicação social do Incra, as dimensões da área onde se localiza a antiga estação Guaianás, cerca de 8 hectares, inviabilizam sua destinação à reforma agrária, e que não há processo aberto naquela autarquia para a obtenção do imóvel. Outro fator foi que não havia demandada de famílias acampadas em relação a área.

Abandono de prédio preocupa Avaí

Prefeitura fala em planos para museu em antiga estação, mas imóveis remanescentes da ferrovia têm áreas maiores e ainda sem destinação?

Malavolta Jr.
Fachada da estação ferroviária de Avaí que, no futuro, pode ser museu municipal "Francisco Pitta", mas isso depende de posse da área

A estação ferroviária de Avaí é um dos imóveis remanescentes da ferrovia que se não for restaurado logo pode ficar ainda pior pela precária condição do prédio. A prefeitura tem interesse pela área. Em setembro do ano passado, o prefeito do município André do Neto encaminhou documento ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) que pediu documentação e não se pronunciou mais se vai transferir a posse da área.

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Prefeito de Avaí, André do Neto, pediu imóvel para o Dnit

Neto afirmou ao JC que há planos de restauração do imóvel e utilizá-lo como sede do museu municipal "Francisco Pitta", atualmente foi reformado e transferido para imóvel próprio no Centro de Avaí. "O prédio da estação está em ruínas. No ano passado pleiteamos a área, temos planos de fazer o museu neste local, mas dependemos da União", explicou.

O documento enviado ao Dnit tem data de 11 de setembro do ano passado endereçado ao diretor de Infraestrutura Ferroviária, Charles Magno Nogueira Beniz. A resposta veio do coordenador geral de patrimônio ferroviário, José Luiz Oliveira, que pediu planta, projeto técnico e até fotografias de como está o estado atual da estação. A prefeitura encaminhou os papéis, mas depois disso não houve mais nenhuma resposta.

O Ministério Público Federal (MPF) incluiu Avaí num inquérito civil instaurado para acompanhar a destinação das áreas férreas não operacionais da extinta Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA) na cidade de Avaí.

O interesse da prefeitura avaiense é pela área do pátio ferroviário da estação, cuja parte não operacional do imóvel passou à Superintendência do Patrimônio da União e sua parte operacional ao patrimônio do Dnit.

Conforme a ação civil pública em tramitação na Justiça federal, os imóveis remanescentes nesse município incluem outras áreas como a de 4 mil m2, na zona rural, atualmente de propriedade da SPU/SP, o terreno cuja parte não operacional do imóvel passou à Superintendência e sua parte operacional passou ao patrimônio do DNIT; o chamado "Antigo Triângulo de Reversão", na zona rural, do qual a área não integra a parte de domínio férreo e passou ao patrimônio da União, no momento objeto de locação; e a parte não operacional do Pátio Ferroviário da Estação de Araribá, com 12.150 m2, na zona rural de Avaí, também não operacional do imóvel sob responsabilidade da SPU e a parte operacional passou ao patrimônio do DNIT, porque a ferrovia está na ativa.

Com relação aos imóveis já integrantes do patrimônio da Superintendência de Patrimônio da União em São Paulo (SPU/SP), foi oficiado ao órgão pelo MPF indagando-lhe a destinação legal dada aos bens, sendo a resposta tão somente no sentido de que não localizaram solicitações por parte de Avaí quanto ao interesse nas aludidas áreas, reportou a Procuradoria da República em um dos inquéritos. O MPF alega na ação que mesmo provocada, a Superintendência da Patrimônio da União no Estado de São Paulo nada fez para regularizar os imóveis que, por força da lei nº 11.483/2007 recebeu junto ao seu acervo imobiliário. 

'Tem o maior interesse'

Procurada pela reportagem, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) emitiu nota alegando que tem o maior interesse em dar uma destinação eficiente aos imóveis não operacionais recebidos da extinta RFFSA. "Até novembro de 2016 pouco foi feito em relação à destinação desses imóveis que somam 55 mil em todo o País. A atual gestão da SPU vem se estruturando e criando mecanismos para resolver esse problema ou, pelo menos, minimizá-lo. Para que isso ocorra, a SPU precisa do apoio do Ministério Público Federal e dos municípios a fim de ceder ou doar essas áreas em benefício da população", informou.

A SPU alega que esbarra em um grande entrave: a falta de documentos e a precariedade de documentos relativos a esses imóveis herdados da RFFSA. "O processo de desmembramento e identificação dessas áreas, que precede a destinação, já foi iniciado, mas ele é complexo e depende dessas informações para se efetivar", ressaltou.

Invasão de estação desativada

No caso de Pederneiras foi onde a prefeitura conseguiu dar uma destinação efetiva ao prédio da estação ferroviária e de um antigo armazém. Os imóveis estão bem conservados. O patrimônio ferroviário remanescentes é bem vasto. O município tem ainda trechos do antiga ramal para Agudos já desativado. A ferrovia está ainda na ativa, onde tem a linha-tronco que faz interligação da hidrovia Tietê Paraná com o porto de Santos.

Neste município, conforme a ação civil pública, em 21 de agosto de 2015, houve invasão em área de propriedade da União pertencente à extinta Ferrovia Paulista. Na ocasião a Procuradoria oficiou a SPU e o Incra visando elucidar as providências que teriam sido tomadas pelos órgãos em questão quanto à noticiada invasão em área da União, às margens do leito ferroviário desativado, por supostas pessoas pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

De acordo com as informações prestadas pelo Incra, a área se referia à antiga estação ferroviária de Guaianás e foi ocupada por diversas famílias. Esse local foi objeto de solicitação de cessão de uso pelo Incra junto à SPU/SP, a qual não adotou qualquer providência, inviabilizando, a possibilidade de assentamento na área, consta na ação do MPF. O Incra informou em nota nesta semana que as dimensões da área onde se localiza a antiga estação Guaianás, cerca de 8 hectares, inviabilizam sua destinação à reforma agrária, e que não havia processo aberto naquela autarquia federal para a obtenção desse imóvel. "Além disso, não temos sido demandados pelas famílias acampadas em relação a essa área", declarou a assessoria de imprensa.

Na ação o MPF diz que a postura da Superintendência de Patrimônio da União foi se esquivar de suas obrigações legais de dar uma destinação correta para as áreas de sua propriedade e salienta que não houve nenhum ato concreto órgão da União na proteção, fiscalização e destinação legal de seus bens de uso especial (trechos ferroviários desativados) e dos bens não-operacionais que, por força de lei, recebeu das extintas Ferrovia Paulista e RFFSA, deixando, assim, o patrimônio público mencionado sujeito à ação de invasores e degradadores ambientais.

No caso de Cabrália Paulista, a reportagem procurou a chefia de gabinete da prefeitura e ela não retornou informações sobre os imóveis remanescentes existentes no município. O trecho da ferrovia foi desativado em 76 e há um antigo armazém.

Lençóis Paulista busca imóveis em ruínas

Edificação do distrito de Alfredo Guedes e do que foi, no passado, parada de trem de Virgílio Rocha estão solicitadas pela prefeitura junto à União?

Prefeitura de Lençóis Paulista
Estação ferroviária de Lençóis Paulista continua conservada e, na frente, terá terminal rodoviário

A situação de Lençóis Paulista é diferente de outras seis cidades da região. A atual estação ferroviária lençoense está em bom estado de conservação, localizada na área central. A situação mais precária fica fora da sede do município: a gare do Distrito de Alfredo Guedes, distante 7 quilômetros da área central, vai precisar de restauração e a do bairro rural de Virgílio Rocha, antiga bifurcação de um ramal para Borebi, cuja instalação está em ruína.

A ferrovia ainda está na ativa nesse trecho que vai de Bauru a Botucatu, um importante corredor de exportação no transporte principalmente de celulose para o porto de Santos.

A data de inauguração da estação é imprecisa. Em relatórios da Cia. União Sorocabana e Ytuana  do século 19 não são claros quanto à inauguração da estação de Lençóis. Há referência na abertura da estação de Porto Lençóis em 1897, mas não deixa claro se é a do porto no rio Tietê ou se é alguma estação provisória. Há registros posteriores que apontam a inauguração da estação em 28/11/1898, conforme informação no site Estações Ferroviárias Brasileira. Outro detalhe da mesma fonte com base em relatórios da CUS&Y, o prédio da estação somente foi terminado em 1900. E ainda há relatos de que a estação deveria ter sido construída em outro local e por pressão dos políticos teve o seu local transferido para onde foi efetivamente construída. Em 1939, foi entregue o prédio atual. No final dos anos 1940, a cidade e a estação tiveram o nome alterado para Lençóis Paulista. Antes, porém, em 1944, ambos tiveram o nome de Ubirama, acentua os registros históricos, atesta o site Estações.

O plano do município no momento será a instalação na frente da estação ferroviária de um terminal de ônibus interbairros. Com a construção de um terminal rodoviário intermunicipal mais moderno, as instalações da rodoviária da área central serão demolidas para virar bolsão de estacionamento rotativo.

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Prefeito Anderson Prado quer a estação de Alfredo Guedes

Nesta semana, o prefeito Anderson Prado (PSB) confirmou que a administração solicitou à Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo os imóveis remanescentes da ferrovia localizados no município de Lençóis possam ser transferidos à municipalidade. Mas por enquanto só há recursos disponíveis a serem repassados pelo governo federal no valor de R$ 600 mil para a instalação do terminal de ônibus na frente da estação. "A antiga estação ferroviária vou transformar no terminal rodoviário interbairros. Vou dar vida a esse local e o entorno vai ser adaptado com verba do Ministério do Turismo (MIT). O imóvel é bem cuidado, só será necessária a conservação. Atualmente na instalação funciona a sede da Ação da Cidadania", citou o prefeito. O processo licitatório para contratar a empresa que vai fazer a adequação deve ser aberto nos próximos dias.

Distrito tem dois imóveis

Os dois prédios da antiga Fepasa em Alfredo Guedes pertencem à União. A Prefeitura de Lençóis já enviou ofício à Superintendência do Patrimônio da União demonstrando interesse pelos imóveis, por enquanto não existe nada concretizado. O trâmite é burocrático e demorado.

A municipalidade tem projetos para implantar cursos profissionalizantes do Centro Municipal de Formação Profissional (CMFP), e no outro imóvel instalar aulas de dança, teatro e música, em parceria com a Diretoria de Cultura, além de transferir para as instalações a subprefeitura e o Memorial Alfredo Guedes, que atualmente está em uma casa alugada. Também pretende revitalizar toda a área em torno dos dois prédios, com criação de um estacionamento e área para eventos ao ar livre.

O prefeito Anderson Prado admite, porém, que tudo isso não será feito de imediato. Inicialmente a municipalidade busca a posse definitiva do imóvel para depois levantar recursos no Estado ou no governo federal para restaurar o imóvel. “Infelizmente o prédio está em ruínas”, disse o prefeito Prado.

Também há possibilidade de criar uma associação cultural para captar recursos por meio da Lei Rouanet, como ocorreu com o Teatro Municipal de Lençóis.

Em 1918, o nome original, Areia Branca, tirado de um córrego da região, foi alterado para Alfredo Guedes (1868- 1904), advogado e político que foi secretário da Agricultura do Estado no final do século XIX. Era também irmão de Olívia Guedes Penteado, conforme o site Estações Ferroviárias Brasileira. O local é um distrito do município de Lençóis criado em 1934 e que fica afastado sete quilômetros a leste da via Marechal Rondon. A estação está abandonada desde 2013 e chegou a ficar habitada por algumas famílias.

Outro imóvel que deve fazer parte para integrar ao patrimônio da prefeitura é da antiga estação já em ruínas no bairro rural de Virgílio Rocha. Esse imóvel é mais difícil a recuperação. “Essa estação foi inaugurada em 1917 (há literaturas que dão a data de 19 de dezembro, e não 10 de novembro), para servir como saída para o ramal de Borebi, aberto nesse mesmo ano. Em 1934, foi classificada como posto telegráfico de categoria A. Por muito tempo existiu junto à estação uma pedreira da Sorocabana com um britador”, consta em um trecho da história do local no site Estações Ferroviárias Brasileiras. O ramal funcionou até 1962, quando foi desativado.

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