| Malavolta Jr. |
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| Olavo Joaquim dos Santos começou na profissão "na marra", a mando do pai; hoje, ele não se vê fazendo outra coisa |
Cortar cabelos não era uma coisa que Olavo Joaquim dos Santos, 86 anos, queria quando menino. Entrou para a profissão na "marra", por ordem do pai, que "ganhou" um pequeno salão em troca de uma dívida. Um barbeiro comprou bacalhau, não pagou e... pronto! Lá, estava o salãozinho no qual Olavo Joaquim dos Santos deu as primeiras tesouradas.
Hoje, Olavo dos Santos, que tem o salão na rua Adolfo Lutz, 1-39, no Centro de Bauru, não se vê fazendo outra coisa. Diz que tudo o que conquistou deve ao seu ofício. E inclui aí o estudo dos filhos, as inúmeras viagens que fez pelo Brasil e Exterior e aos amigos que conheceu ao longo da vida. E se aposentar não está nos planos do cabeleireiro. Ele está se preparando para participar de uma feira de beleza em São Paulo, nos próximos dias. "É preciso se atualizar, rever amigos", diz. "Parar de trabalhar? Só quando minhas mãos começarem a tremer", diz, aos risos.
JC - O senhor é cabeleireiro em Bauru desde os anos 1950. Como veio parar na cidade?
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| Olavo mostra foto dos velhos tempos que ganhou de amigos |
Olavo Joaquim dos Santos - Meu pai era uma pessoa nômade. Nasci na Bahia. De lá, viemos para Araçatuba. Quando veio, não era casado. Casou-se na igreja primeiro e, depois, no civil, em Araçatuba, quando já tinha cinco filhos. E ele não tinha nem registro de nascimento. Foi registrado em Araçatuba antes do casamento. E o curioso era que o sobrenome dele era Souza. Como tinha um vizinho dele que também tinha o mesmo sobrenome e toda correspondência que vinha da Bahia ia para o vizinho, meu pai aproveitou e mudou o sobrenome para Santos. Só ele é Santos. O pai e os irmãos são todos Souza.
JC - E como o senhor acabou sendo cabeleireiro?
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| Ele está se preparando para participar de feira de beleza em SP |
Olavo - Meu pai gostava de andar. Morei em muitos lugares. De Araçatuba, fomos para Andradina. Depois, para Santa Mercedes. Meu pai tinha um "botecão" em Santa Mercedes, perto de Pauliceia, e o pessoal daqui de Bauru, na época, ia pra lá vender coisas para o meu pai. E meu pai vendeu fiado para um barbeiro de lá. Ele não tinha dinheiro e meu pai acabou pegando o salãozinho dele. Como meu pai era muito autoritário, me mandou cortar cabelo. Eu tinha de 14 para 15 anos, era muito tímido, não queria ir, sentia muita vergonha. Mas fui. E o pessoal de Bauru que vendia bacalhau para o meu pai tinha um salão na rua Araújo Leite. Disseram para o meu pai que eu me daria bem em Bauru. Acabei vindo para cá em 1953, com esposa e filho.
JC - E acabou se dando bem...
| Arquivo pessoal |
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| Olavo, a esposa Lurdes e os filhos Welton e Wilson (atrás) |
Olavo - Foi muito difícil no começo. Vim analfabeto, não sabia falar, não sabia cortar, não sabia nada. Meu pai me sustentava aqui, pagava minhas contas. E assim fui indo. Daí, me separei da minha primeira esposa e fui para São Paulo. Fiquei lá 3 anos. Numa eleição, fui votar em Santa Mercedes e passei por Bauru. Meu irmão estava trabalhando num salão e o patrão dele me convidou a ficar. E fiquei. E aqui estou trabalhando como cabeleireiro desde 1960.
JC - O senhor é de uma família de cabeleireiros, então?
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| Olavo em seu salão: "Eu ainda tenho muitos clientes da década de 60. Tornaram-se verdadeiros amigos mesmo" |
Olavo - Éramos em sete irmãos. Eu e um outro irmão trabalhamos em salão. E meu filho, Cláudio Olavo, tem esse mesmo ofício na Vila Falcão.
JC - O que mudou no ofício da década que o senhor começou para cá?
Olavo - Eu ainda tenho muitos clientes da década de 60. São mais que clientes. São amigos mesmo. O ortopedista Ari de Souza, por exemplo, é meu cliente desde 1956. Mas, hoje, o ofício é totalmente diferente. Antes, os homens queriam um corte mais clássico. Hoje, muita gente corta com máquina.
JC - E a Internet não ditava moda...
Olavo - Pois é (risos)! Fiz muitos cursos no Exterior, trouxe muitas novidades para Bauru. Fui a Buenos Aires pelo menos 15 vezes para fazer cursos, buscar novidades. Cabeleireiros renomados como Jassa, Araújo também iam. Sempre trouxe para Bauru o que tinha de mais moderno em corte masculino. Por conta disso, nos anos 1970, fui convidado para lecionar no Senac. E fiz isso durante vários anos. Não só em Bauru, mas também em Araçatuba, Birigui, Araraquara, Rio Preto... mas, se fosse hoje, acho que minha formação seria outra.
JC - O senhor acha que, hoje, as pessoas são mais preocupadas com a aparência?
Olavo - Têm os relaxados, mas, no geral, todos são preocupados. Eu acho que sempre foi assim. Hoje, trabalho sozinho, mas já cheguei a trabalhar com dez pessoas: maquiador, atendente, entre outros. Trabalhava com feminino e masculino. Mas, com o passar dos anos, decidi optar pelo masculino. Hoje, dá menos trabalho.
JC - Quais não os principais desafios da profissão, hoje?
Olavo - Com o desemprego, muita gente que ganhava um belo salário, está com problemas. Daí, comprou uma máquina e está cortando cabelo. Tem muito salão de barbeiro oferecendo churrasco, cerveja... tem muita gente entrando numa profissão que não é dela, não estuda para isso. Eu, por exemplo, continuo me aprimorando. No dia 14 de abril, vou a Santo Amaro, em São Paulo, para uma feira da beleza.
JC - Aos 86 anos, o senhor ainda acha importante se atualizar?
Olavo - Minha mulher fez a mesma pergunta (risos). E eu disse: 'Ainda estou vivo, não estou tremendo...'. Eu vou ver coisas novas, vou ver meus amigos. O Jassa, o Araújo, o Fernando Alves e outros estarão lá. Vamos discutir o que tem de novo. Outro dia liguei para o Jassa e perguntei: 'O que tem de novo?'. Ele riu e disse: 'Olavo, quem aprendeu, aprendeu; quem não aprendeu, não aprende mais. Se você esqueceu, não vai lembrar mais nada (risos)'.
JC - Até quando o senhor vai trabalhar?
Olavo - Quando eu começar a tremer, eu paro (risos).
JC - O senhor meio que entrou na profissão empurrado, mas agora é um apaixonado por ela, certo?
Olavo - Pois é, foi 'na marra'. E, hoje, eu adoro. É uma profissão fantástica. Me proporcionou muita coisa. Tenho um filho que mora em Nova York há 35 anos. Levei ele para lá e, hoje, ele está muito bem. Tenho filho arquiteto em São Paulo, tenho um aqui na Vila Falcão, que também tem salão. Fui a Las Vegas, Londres, Paris, Verona... tudo em campeonatos mundiais. E tudo por conta minha profissão. Cheguei aqui analfabeto e conquistei tantas coisas...
JC - Mas o senhor terminou os estudos?
Olavo - Essa é uma história engraçada. Fiz até o segundo ano. O José Ranieri, pai do Dudu Ranieri, era meu cliente. E um dia disse a ele que queria fazer o Ginásio. Ele disse para eu me inscrever na Admissão. Eu só tinha o segundo ano de grupo, mas fui lá. Mal sabia ler e escrever. Não sabia nada. Mas fui. A atendente me pedia o diploma e nunca levei... eu não tinha (risos). Mas, entrei no Ginásio. Morria de medo de ser chamado na lousa. Sofri muito para aprender, mas fui. Terminei até o colégio. A professora de português dizia que, para aprender, a gente tinha que ler bastante. Era a época dos grandes filmes... comprei a coleção "Guerra e Paz", um romance histórico escrito por Liev Tolstói. Me apaixonei pela leitura, por Tolstói e leio até hoje. É o maior escritor do mundo.
JC - E, entre os brasileiros, há um preferido?
Olavo - Tem o Jorge Amado, mas ele é muito pornográfico.
JC - O que o senhor diria para quem está começando?
Olavo - É difícil. Tem de procurar uma escola boa para dar os primeiros passos. Muita gente começa na raça, mas precisa estudar, se aprimorar. O momento é diferente, são muitos os desafios.




