Alberto Consolaro

Você é osso, dente ou língua?

20/06/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Temos 206 ossos com formas diferentes um dos outros, exceto os pares nos dois lados, mas mesmo assim não são perfeitamente iguais. Os ossos nos ensinam muito com a sua “filosofia de vida”, pois: 

1. Guardam nosso DNA dentro de sua parte dura e mineralizada em milhões furinhos com a célula chamada osteócito que permite que sejamos identificados séculos depois. Isto é demais, são guardiões da memória compactuados com a espécie!

2. Se renovam em todos momentos pelo processo da remodelação ou turnover ósseo. É reabsorção e deposição toda hora, reformatando e adaptando-se a novas funções e demandas, um exemplo de resiliência.

3. Não ficam velhos, diferente de sapato, carro e computador. O coração e o cérebro também ficam velhos, mas os ossos ficam novos, pois se reformatam sempre. Em 5 a 10 anos, independente da idade da pessoa, o esqueleto é trocado gradativa e completamente, o que permite uma pessoa de 70 anos dizer que já teve 7 a 10 esqueletos. O seu esqueleto tem no máximo 10 anos! Fantástico, a renovação é constante!

4. Os ossos controlam e armazenam o mais importante dos minerais representado pelo cálcio. Se diminuir ou aumentar demais o cálcio no sangue, podemos morrer! O osso se faz essencial e comprometido!

5. Sabem viver socialmente, protegem vísceras e o sistema nervoso central, locomovem pessoas, praticam esportes sem guardarem mágoas e tristezas. Nas fraturas, cortes e cirurgias, depois de um a três anos, nem se tem mais sinal daquela mágoa, perdoam sempre!

O osso dá um exemplo exuberante de firmeza e sabedoria no viver, no olhar para frente sem se deixar influenciar pelas coisas chatas do passado! Os ossos são mutantes, como disse o baiano Raul Seixas, uma metamorfose ambulante que esquece os que lhe machucaram!

DENTES E LÍNGUA

Os dentes são exemplos clássicos de órgãos que ficam magoados à menor agressão. Apesar de duros e mineralizados como o osso, são verdadeiros “poços de mágoas”! Se fraturar, riscar, trincar, cariar e reabsorver, nunca mais serão os mesmos, as marcas serão eternas! Dentes decíduos são iguais as crianças que os possuem, levam as mágoas ao ser trocados pelos irredutíveis dentes permanentes!

Em tratamento por um ano, o avô as vezes aparecia sem alguns dentes, mas agora estava lindo ao sorrir! O netinho perguntou se deveria perdoar o amigo que lhe magoou e ele respondeu que sim, era importante perdoar para que o futuro seja mais leve e promissor! O avô disse que perdeu muitos dentes e quase ficou desdentado. Imitando Einstein, pôs a língua para fora e foi dizendo: nunca precisei arrumar, operar, pintar ou tratar a língua, sempre maleável e compreensiva! Está aqui inteira e cooperando, mas muitos rígidos e resistentes dentes se perderam! Ser compreensível e maleável tem a ver com vida longa e feliz!

REFLEXÃO FINAL

Viver é correlacionar, extrapolar, corresponder e compartilhar! Em um sonho maluco, colocado na parede do tribunal da vida, você tem que ser sincero:

1. Você é rígido e não perdoa como os dentes, coração e o cérebro e fica reclamando pelos cantos, quase sempre sozinho?

2. Seu perfil se parece mais com o osso que se renova, perdoa, esquece as mágoas e logo as apaga de suas estruturas seguindo a vida alegre, firme e feliz com seus amigos?

3. Ou seria você uma língua que a tudo se adapta, é mole e tolera tudo apesar de viver numa boca altamente contaminada cheia de dentes irredutíveis, senhores de si e donos da verdade, onde ninguém confia em ninguém?

Navegar é preciso, perdoar também!

Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista do Caderno Ciências do JC

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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