José Milagre

Registro de mensagens contribuirá no combate a crimes digitais e fake news?

05/07/2020 | Tempo de leitura: 4 min

Nesta semana, foi aprovado no Senado o Projeto de Lei 2.630/2020, que trata do combate a fake news, por 44 votos a 32. A matéria, no entanto, gerou polêmica, sobretudo no seu artigo 10, que obriga os aplicativos, como o WhatsApp, a registrarem os encaminhamentos de mensagens realizadas. Mas será que este artigo é fundamental para o combate a crimes digitais e fake news?

O artigo 10 determina que os serviços de comunicação instantânea devam guardar os chamados "registros de encaminhamento", o que vem sendo considerado uma "tornozeleira digital" pelos provedores de aplicação. Basicamente, os provedores de aplicação deverão registrar metadados, "dados sobre dados", relativos aos envios de mensagens vinculadas em encaminhamentos em massa, custodiando estes registros por três meses. A argumentação aqui é que se possa chegar à averiguação da origem de uma fake news. Esta proposta de rastreio é uma das mais restritivas de que temos notícia em todo o mundo.

O que se pretende guardar aqui seria, em nossa visão, data, hora, número ou IDs envolvidos nos envios, fuso horário e quantitativo total dos usuários que receberam a mensagem. Assim, a partir de uma mensagem recebida ou descoberta pela vítima, se poderia, com base na lei das fake news (Lei Brasileira de Liberdade Responsabilidade e Transparência na Internet) requerer uma ordem judicial para que o mensageiro apresentasse judicialmente o registro de todos os encaminhamentos, desde o primeiro, contanto que a mensagem se enquadrasse nos critérios que obrigam o armazenamento. Caso negativo, o provedor de aplicações deverá, em tese, justificar em juízo o não fornecimento.

Não se busca aqui, como visto, o conteúdo das mensagens, e a princípio não se identifica os destinatários das mensagens. Faltava definir o que seriam os chamados "encaminhamentos em massa". Na PL, ficou definido como o envio de uma mesma mensagem por mais de cinco usuários em intervalo de até 15 (quinze) dias, para grupos de conversas, lista de transmissão ou mecanismos similares de agrupamentos de múltiplos signatários, sendo obrigada a guarda apenas das mensagens que alcançarem 1.000 ou mais usuários. O acesso só deve se dar por ordem judicial. A questão é: como a vítima vai saber se a notícia falsa está inserida no contexto de um encaminhamento e massa? Muitas vítimas irão pedir tais registros ao Judiciário mesmo sem saber se tratar de encaminhamento em massa, e isso pode gerar uma superlotação de processos e requerimentos. O Judiciário deverá ser muito criterioso nas análises.

O artigo 10 foi aprovado no Senado mesmo com destaque do Podemos em contrário, onde muitos senadores entenderam que o "registro de encaminhamento" é essencial para apuração das fake news, o que não é uma verdade técnica. O Marco Civil já prevê a guarda dos registros de acesso a aplicação (data, hora, IP e fuso horário) e que já são suficientes para a apuração da autoria de fake news nos comunicadores, ainda que em uma sequência de investigações mais demorada.

A exigência do artigo 10 parte de uma premissa equivocada, e vai gerar alta onerosidade para os serviços de aplicativos de mensagens, que serão obrigados ter uma estrutura para gerar e armazenar inúmeros registros de encaminhamentos, mesmo sem "conhecerem o conteúdo" encaminhado. Outra questão intrigante é: como os provedores de aplicação vão identificar "uma mesma mensagem", enviada em massa, se eles não inspecionam o conteúdo das mensagens por uma questão de privacidade? Farão por hash dos conteúdos? Um risco imenso à privacidade se visualiza!

Do mesmo modo, a argumentação de que são registros metadados e que a criptografia ponta-a-ponta do WhatsApp preservará a privacidade também não resiste. A privacidade estará ameaçada mesmo que o mensageiro adote a criptografia das conversas, pois com os metadados gerados pelos usuários em mãos erradas ou vazados, pode-se ter um dossiê completo sobre as atividades de encaminhamento dos mesmos, com efeito, existem implicações e conflitos nítidos também com o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018)

Como visto, existem muitos pontos nebulosos na disposição o artigo 10, o que demandaria muito mais debate no Senado, que diversamente, não estendeu a discussão para ouvir os especialistas e, rejeitando o destaque de modificação do artigo 10, aprovou o Projeto de Lei. Queremos crer, na Câmara dos Deputados, o deslinde não seja o mesmo, e muita discussão ocorra, com a oitiva de profissionais e especialistas, no escopo de se corrigir inúmeras falhas deste projeto desproporcional, que chega do Senado já sendo considerado um dos mais restritivos do mundo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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