Entrevista da semana

Educação como remédio

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 5 min

Em 2022, o médico endocrinologista e professor Carlos Antonio Negrato completa 45 anos de profissão. Desde o começo da carreira, defende o valor da educação no sucesso do tratamento do diabetes tanto quanto dos medicamentos. "A pessoa precisa conhecer o que tem, o que deve fazer, como aceitar a doença", afirma o bauruense, hoje com 70 anos. Para contribuir com este processo, fundou a Associação dos Diabéticos de Bauru (ADB), em 1982, entidade responsável por ações informativas e campanhas de detecção.

Filho do italiano Carlo Amedeo Negrato e da brasileira Maria Lúcia Toniato Negrato (ambos em memória), tem quatro irmãos: Terezinha (falecida), Tersio, Maria Aparecida e Paulo. Carlos cresceu e estudou em Bauru até o colegial. Depois, fez medicina na Universidade de Brasília (UnB) e doutorado na Unesp. A escolha pela endocrinologia veio do convívio em uma família de diabéticos. "Meu pai viveu 40 anos com a doença. Avó, tios... Era bastante prevalente na família".

Há oito anos é casado com Lenita Zajdenverg, 56 anos, também médica e professora. No primeiro relacionamento, teve duas filhas: Rafaella, 30 anos de idade, e Isabella (falecida em 2008, hoje teria 33).

O fã dos Beatles, que tem o Palmeiras como time do coração, é dono de uma trajetória profissional marcada por vários prêmios. Um dos mais importantes foi da Associação Latinoamericana de Diabetes, em 1998, um projeto demonstrando a relação entre tratamento e redução de complicações, internações e óbitos. "Usamos o dinheiro para terminar a construção da sede da ADB."

Desde 2008, faz parte de grupos de pesquisa na área. A partir deles, são produzidos protocolos para o tratamento da doença no País todo. Também é professor da Medicina da USP Bauru desde 2018, quando o curso começou.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao JC.

Jornal da Cidade - O senhor fundou a Associação dos Diabéticos de Bauru em 1982. O que o motivou?

Carlos Antonio Negrato - Eu fazia residência no Hospital das Clínicas em São Paulo, onde já começavam a falar sobre educação em diabetes. Eu vim trabalhar aqui com essa ideia. Chegando, eu logo encontrei um grupo de pais e crianças com a doença e formei a associação. O objetivo era ajudar essas pessoas, trocar experiências e promover a educação em diabetes, que é uma parte integral do tratamento. A pessoa precisa conhecer o que ela tem, o que deve fazer, como aceitar e trabalhar com a doença. Mas isso só se adquire com o tempo, na medida em que você vai passando orientações ao paciente. Em uma consulta só, ele jamais aprende tudo o que precisa. Essa educação deve iniciar no diagnóstico e continuar durante a vida toda.

JC - E qual o principal papel que a Associação cumpriu por essas pessoas?

Carlos - Primeiro foi informativo, ensinar sobre a doença. Depois, realizamos várias campanhas de prevenção, fazendo exame do furinho no dedo. Sempre que detecta um novo caso, consegue encaminhar para tratamento, dar uma orientação, explicar o que ela está passando. Atualmente, nossos alunos da USP desenvolvem um projeto na associação com pacientes que ganham menos de três salários mínimos. Eles recebem orientação sobre dietas e exercícios. Outro trabalho que pretendemos retomar são os acampamentos com crianças diabéticas. Os grupos passam um final de semana em um hotel fazenda e o objetivo é fazer uma imersão. Todas saíam de lá sabendo picar o dedo, ver resultado da glicemia e autoaplicar insulina. É um amadurecimento enorme.

JC - O que é mais difícil para o paciente com diabetes aceitar ou mudar?

Carlos - O maior obstáculo geralmente é a insulina. Todo mundo tem muito preconceito e medo das injeções. No diabetes tipo 2, a pessoa acredita ser o fim ou uma situação muito grave, quando na verdade precisa apenas repor algo que está faltando no organismo. E depois tem também a dificuldade em mudar a dieta, iniciar uma atividade física.

JC - Desde 2008 o senhor tem feito parte de importantes grupos de pesquisa. Quais foram as contribuições mais importantes desses trabalhos?

Carlos - Unificamos o diagnóstico de diabetes gestacional no Brasil. Antes existiam vários critérios, todos diferentes. A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) adotava um, a Federação de Ginecologia adotava outro. Então, conseguimos falar a mesma língua. Isso foi fantástico. Em 2019, lançamos novos protocolos sobre tratamento do diabetes gestacional e, agora em 2021, também lançamos protocolos para os cuidados obstétricos com a mulher diabética. Nós escrevemos manuais para o Ministério da Saúde e o que determinamos nesses grupos são adotados pela pasta para o País todo. É uma atividade que me dá muito prazer.

JC - O senhor é docente da Medicina da USP desde o começo do curso. Qual a recompensa desse trabalho?

Carlos - É uma coisa extremamente boa, agradável. Os alunos são excelentes, serão superprofissionais. É muito legal participar justamente da formação deles e da faculdade. Era um sonho de Bauru. E eu, como bauruense, me sinto privilegiado em participar do nascimento desse curso. É uma faculdade com um futuro brilhante.

JC - Tem algum hobby?

Carlos - Gosto muito de ler. De tudo, biografia e história, principalmente. Também faço caminhada diariamente e academia duas vezes por semana. Gosto de ópera, MPB e de música italiana, essa vem de berço. E eu e minha esposa viajamos bastante. Uma das mais marcantes foi para a Itália, em 2018, fomos à cidade onde meu avô nasceu, Legnaro. O prefeito fez inclusive uma homenagem para nós. Outro passeio legal foi em Barcelona, 2019. Também fiz viagens interessantes para Egito, Índia e Tailândia. 

JC - Qual considera a maior satisfação profissional?

Carlos - É ver o paciente melhorar. Quando ele adere ao tratamento, você nota isso claramente. É emocionante, empolgante. E tudo depende do binômio médico-paciente. A medicina é fantástica, fiz por vocação, por paixão, por amor. Ela te surpreende todo dia.

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