Muito antes que Hogwarts se tornasse sinônimo de ensino médio para bruxos, uma escola de magia muito diferente nasceu da imaginação da escritora americana Ursula Kroeber Le Guin, morta em 2018.
Os jovens que chegam à ilha de Roke, no coração do mundo-arquipélago de Terramar, aprendem as palavras de uma língua antiga que conferem a eles poder sobre objetos, animais e pessoas, mas descobrem também que cada ato mágico pode afetar o equilíbrio do mundo ao seu redor e abrir rombos no próprio tecido da existência.
As histórias de Terramar, narradas por Le Guin em cinco romances, uma coletânea de novelas e contos que ela escreveu de 1964 até o ano de sua morte, estão ganhando nova edição brasileira, a primeira a trazer todos os volumes do ciclo para o país. O primeiro livro, "O Feiticeiro de Terramar", acaba de chegar às livrarias, com posfácio da autora e ilustrações de Charles Vess --mais conhecido por suas colaborações com Neil Gaiman em obras como "Stardust" e "Livros da Magia".
Em tom brincalhão, Le Guin conta que a série nasceu a partir do convite de um editor, que pedira a ela que escrevesse uma narrativa de fantasia para adolescentes. "Naquela época, os feiticeiros eram todos, mais ou menos, Merlin e Gandalf. Velhos, chapéus pontudos, barbas brancas", escreve ela no posfácio. "Bem, Merlin e Gandalf devem ter sido jovens um dia, certo? E, quando eles eram jovens, quando eram crianças tolas, como aprenderam a ser feiticeiros?"
Se essa foi a premissa inicial, o ciclo se transformou em algo muito mais grandioso e subversivo desde o primeiro livro. A complexidade histórica e cultural imaginada pela autora para o mundo de Terramar é comparável à arquitetada por J. R. R. Tolkien em "O Senhor dos Anéis", mas Le Guin inverte deliberadamente os estereótipos raciais que predominavam na fantasia da época.
Em seus livros, os povos de pele mais escura, que lembram indígenas e africanos do nosso mundo, são os "civilizados", enquanto os "selvagens" têm cabelos louros e aparência europeia.
"Isso causava problemas para ela até na produção das capas, com os editores afirmando que os leitores não estavam preparados para aceitar um protagonista não branco", diz Victor Gomes, publisher da editora Morro Branco, responsável pela nova versão da série no Brasil. "O mais triste é que, mesmo 40 anos depois do lançamento, quando o Studio Ghibli adaptou as obras [em formato de animação], todos os personagens magicamente se tornaram brancos. Esperamos retificar isso agora."
O FEITICEIRO DE TERRAMAR
Preço R$ 54,90 (208 págs.); R$ 38,40 (ebook)
Autor Ursula K. Le Guin
Editora Morro Branco
Tradução Heci Regina Candiani