Entrevista da semana

'Violência contra indígena é diária'

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 4 min

"Uma indignação muito forte", define Chicão Terena, 48 anos, pelas mortes do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no Vale do Javari, Amazonas. O caso repercutiu internacionalmente. No entanto, o cacique da Aldeia Kopenoti, em Avaí (39 quilômetros de Bauru), destaca que esses assassinatos não são casos isolados. "Tantos outros Brunos estão morrendo agora. Os conflitos em terras indígenas acontecem constantemente. É momento da sociedade e governantes acordarem e verem que podemos organizar um mundo melhor de paz".

Foi justamente a vontade de construir um mundo melhor que norteou a trajetória de Chicão. Enquanto cacique participou de conquistas importantes para a comunidade, como aparelhamento de unidades de saúde, projetos de moradia e preservação de nascentes. Além da Kopenoti, a Terra Indígena de Araribá é composta pelas aldeias Ekeruá, Nimuendaju e Tereguá. Cerca de 700 indígenas vivem na área.

O espírito de liderança manifestou-se ainda criança, quando recusou-se a encerrar os estudos na 4.ª série, então último ano letivo disponível na aldeia. "Fomos atrás de transporte, negociamos com o poder público. Conseguimos estudar em Duartina e, depois, em Avaí", conta o cacique que, anos mais tarde, conquistaria também o diploma de Licenciatura em Geografia. Hoje ele é professor na Escola Estadual Kopenoti, cujo currículo vai até a conclusão do ensino médio.

Nascido na própria aldeia, candidatou-se a vereador aos 21 anos. Não foi eleito, mas acabou indicado para o cargo de chefe do Posto Indígena, função que exerceu durante onze anos em defesa dos interesses e direitos da comunidade. Por decisão dos próprios indígenas, foi escolhido como cacique em 2016.

Chicão é filho de Eunício Sebastião, 74 anos, e de Nilce Sebastião (em memória). Tem sete irmãos, sendo que um deles, Paulinho Paiakam (PSDB), é vereador em Avaí. É pai de dois filhos: Mirella Lucas Sebastião, 11, e Kevin da Silva, 27. Atualmente, namora Juliana da Silva, 44, técnica de enfermagem da etnia Guarani. O cacique conversou com o JC. Confira a seguir os pontos mais importantes de sua caminhada.

Jornal da Cidade - Como repercutiu as mortes de Dom e Bruno na comunidade indígena?

Chicão Terena - Eu e todas as lideranças indígenas da região e do Brasil vimos com uma indignação muito forte. É reflexo de um grupo da sociedade pensando na ganância, na exploração. Elas levam as pessoas a não respeitarem a vida. A terra é importante para nós, mas a vida é ainda mais. Eu, enquanto cacique, sou favorável a abrir oportunidades para pesquisadores ingressarem nas terras indígenas para fazerem estudos.

JC - A causa indígena fica mais órfã com essas duas perdas?

Chicão - Acredito que sim, mas esse foi um caso de repercussão muito forte. Tantos outros Brunos morreram e ninguém deu visibilidade. Têm pessoas nessa luta que estão morrendo agora. Os conflitos em territórios indígenas acontecem direto. Não só no Amazonas, mas em vários estados. No Mato Grosso, por exemplo, o conflito agrário é muito forte. Acontecem muitas perseguições e mortes. É momento da sociedade e governantes acordarem e verem que podemos organizar um mundo melhor de paz. Temos poucos simpatizantes com a causa. Não que o brasileiro não seja sensível, ele na verdade conhece pouco da nossa cultura. E os poucos que a conhecem acabam perdendo suas vidas na trincheira.

JC - Você tem uma trajetória marcada pela defesa dos direitos da comunidade indígena. Como começou essa atuação?

Chicão - Aos 21 anos, me candidatei vereador em Avaí, porque achava necessário ter representatividade na Câmara. Não fui eleito, mas depois fui indicado para o cargo de chefe do Posto Indígena Kopenoti, em 1997. Fiquei onze anos na função, até ela ser extinta após uma reestruturação na Funai. Era bastante importante por fazer uma ponte entre o órgão e as lideranças da comunidade. Em 2016 a aldeia me escolheu para ser cacique, posição que exerço até hoje. É um processo político discutido internamente, apenas pela comunidade.

JC - E o que levou a comunidade a tomar essa decisão?

Chicão - Acredito que pelas minhas experiências de liderança desde jovem. Ainda no ensino fundamental, nossa escola da aldeia só ia até o 4º ano. Mas fomos atrás do poder público a fim de conseguir um transporte para continuarmos estudando. Primeiro em Duartina, depois em Avaí, até concluir o ensino médio. Anos mais tarde, voltei a estudar e fiz Licenciatura em Geografia em Bauru. Foi muito importante essa formação, porque comecei a enxergar todo esse mundo de organização social e também para contribuir com as atividades internas da comunidade.

JC - Entre chefe de posto e agora cacique, quais foram as principais contribuições?

Chicão - Criamos projetos de recuperação de nascentes do Rio Araribá, plantando árvores para recuperar áreas degradadas. Na agricultura, trabalhamos para aquisição de máquinas para as famílias aumentarem a produtividade. Também buscamos projetos de moradia indígena junto à CDHU. Conseguimos equipar os quatro postos de saúde da Terra (um em cada aldeia), com equipe multidisciplinar, para oferecer atendimento básico para as famílias. E na educação, buscamos avanços desde 1999, quando tivemos nossas escolas efetivadas nas comunidades e, com o tempo, passamos a ter inclusive professores indígenas lecionando.

JC - E quais projetos estão agora em pauta?

Chicão - Neste ano, estamos debatendo mudanças nas diretrizes para educação indígena de todo o Estado. O objetivo é ampliar ainda mais o conteúdo sobre cultura indígena no currículo dos nossos alunos.

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