VIGILÂNCIA ILEGAL

Sistema clandestino da ABIN mirou hacker de Araçatuba

Por Guilherme Renan | da redação
| Tempo de leitura: 3 min
Reprodução
A localização indica que o hacker estava em Brasília, na Esplanada dos Ministérios
A localização indica que o hacker estava em Brasília, na Esplanada dos Ministérios

Patrick Cesar da Silva Brito, conhecido como “Hacker de Araçatuba”, foi monitorado 561 vezes entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021 por meio do sistema First Mile, uma ferramenta de vigilância clandestina operada pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sem qualquer respaldo judicial. A informação consta no relatório final da Polícia Federal, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com o documento, as consultas foram feitas com a credencial TC01, atribuída a um servidor da ABIN vinculado a uma estrutura paralela de inteligência, responsável por conduzir ações sigilosas fora dos parâmetros legais. Segundo os investigadores, além da frequência elevada, o rastreamento digital de Patrick teria sido motivado por interesses internos da própria agência.

A apuração revela ainda que, em 2019, o jornalista Fabiano Golgo encaminhou ao servidor Marcelo Furtado — então coordenador de operações da ABIN — uma série de e-mails contendo arquivos classificados como “evidências contra Patrick”. Posteriormente, imagens do hacker foram localizadas em dispositivos funcionais de integrantes da agência, o que reforça a tese de que ele foi mantido sob vigilância contínua, sem qualquer autorização judicial ou vínculo com procedimentos oficiais.

Embora Patrick tenha declarado publicamente que colaborou com a ABIN em ações de intrusão digital, a Polícia Federal concluiu não haver evidências que sustentem essa versão. Ao contrário, o volume de acessos e a intensidade do rastreamento indicam que ele foi alvo direto de ações de contrainteligência, executadas à margem da legalidade.

O relatório classifica as operações como graves violações de direitos fundamentais e ressalta que o sistema First Mile foi utilizado como subterfúgio para burlar a exigência constitucional de autorização judicial, comprometendo garantias individuais asseguradas pelo Estado Democrático de Direito.

ABIN Paralela

O caso de Patrick não é isolado. A mesma investigação revelou que jornalistas, autoridades públicas e figuras políticas também foram monitoradas pela chamada “ABIN Paralela” — grupo que, segundo a PF, atuava sob influência de interesses políticos para proteger o chamado “núcleo político” por meio de práticas como blindagem, intimidação e disseminação de desinformação.

A situação expõe falhas graves nos mecanismos de controle sobre o uso de tecnologias de inteligência por servidores públicos e reacende o debate sobre os limites éticos e legais da vigilância estatal. O caso segue sob análise do STF.

Posição da defesa

Procurada pela reportagem, a defesa de Patrick Brito se manifestou por meio dos advogados Dr. Daniel Madeira e Dra. Karine Nakad:

“É com profunda surpresa e veemente indignação que a defesa de Patrick César da Silva Brito toma conhecimento da inclusão de seu nome na lista de monitoramento ilegal, noticiada em relação à chamada 'ABIN Paralela'. Estamos diante de uma gravíssima violação dos direitos fundamentais, incluindo sua privacidade e liberdade individual, garantidos pela Constituição Federal.

Atitudes como essas configuram um atentado direto ao Estado Democrático de Direito e demonstram um preocupante desrespeito às instituições e à legislação brasileira. A defesa informa que, diante dessas gravíssimas e ilegais condutas, todas as medidas judiciais cabíveis serão tomadas oportunamente.

Apesar de ter sido acionado antes da divulgação pública da lista, não foi, em momento algum, esclarecido dos motivos de sua oitiva, tampouco informado se seria ouvido como testemunha ou investigado, o que prejudicou ainda mais seus direitos básicos. Agora, a defesa pedirá acesso aos autos para que Patrick possa ser ouvido pelas autoridades competentes.

Por fim, não hesitaremos em buscar a responsabilização dos envolvidos e a reparação por quaisquer danos que possam decorrer dessa conduta ilícita. Confiamos na Justiça e acreditamos que a verdade prevalecerá.”

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