UNIVERSIDADE

‘Piracicaba merece e espera por uma universidade pública autônoma’

Por Roberto Gardinalli | roberto.gardinalli@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 14 min
Claudinho Coradini/JP

Assunto cada vez mais recorrente na sociedade piracicabana, a vinda de uma universidade federal para a cidade tem sido buscada por professores, estudantes e especialistas em educação desde o início da ideia, concebida como uma forma de diminuir uma lacuna aberta com a crise financeira da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) e posterior desativação do campus Taquaral. Em abril, uma comitiva formada pela vereadora Rai de Almeida (PT), pela deputada federal Professora Bebel (PT) e outras pessoas da área da educação, foi até Brasília para pedir ao ministro da Educação, Camilo Santana, uma universidade federal para Piracicaba, com a proposta de instalação da unidade no Taquaral. Entre as pessoas que fazem parte da comitiva, está o professor Ely Eser Barreto César.

O professor ocupou o cargo de vice-reitor acadêmico da Unimep até 2002. Entre as atribuições, cuidava do desenvolvimento acadêmico da instituição, e em seu trabalho, junto à diretoria da universidade, conseguiu trazer uma identidade única para a Unimep. “A gente conseguiu, naquela altura, que todos os cursos se conversassem, era uma estrutura humana. Era uma estrutura, politicamente falando, ampla. Se criou uma identidade. Todo mundo se sentia parte do processo, mesmo vindo de áreas estranhas, como uma informática bem técnica, uma engenharia bem técnica, contabilidade”, disse. Porém, a universidade foi pega por uma crise, que, na opinião dele, foi iniciada pela expansão de faculdades particulares pelo Brasil, agravada pela instalação de um novo modelo de gestão da Rede Metodista. “A crise foi a multiplicação de escolas particulares no Brasil, mesmo na região. No período áureo, você tinha um enorme estacionamento repleto de ônibus que vinham das cidades vizinhas. Isso foi diminuindo. O segundo, eu diria, foi a direção da Igreja Metodista, que ela não confiou a gestão a especialistas em educação. Ela, então, teve a ilusão de que não era complicado administrar uma instituição universitária. E, aí, você começa a interferir com grupos não ligados, que não tinham o domínio das nuances das instituições de ensino”, completou.

Ely Eser comenta, ainda, que um dos momentos decisivos para a criação da comitiva foi quando houve a transferência de cursos para o Campus Centro. “Quando decidiu-se leiloar o Campus de Santa Bárbara d’Oeste, nós entendemos que a questão estava no limite. A reitoria de Piracicaba decidiu ir esvaziando o Taquaral, houve a transferência dos cursos que eles decidiram manter para o Campus Centro. Então decidimos ir direto ao governo federal para saber do interesse deles em acolher, sabendo que a prioridade do governo é a educação”, disse. Entre outros assuntos, o professor falou sobre as negociações para a instalação de uma universidade federal em Piracicaba, além da importância que essa instituição teria para a cidade de Piracicaba e região. Confira os principais pontos da entrevista ao JP:

O senhor esteve por dentro da Unimep até depois de se aposentar. O que aconteceu para a Unimep chegar nessa situação? Foi uma crise geral que pegou escolas de maneiras diferentes. A crise foi a multiplicação de escolas particulares no Brasil, mesmo na região. No período áureo, você tinha o nosso estacionamento, um enorme estacionamento, repleto de ônibus que vinham das cidades vizinhas. Isso foi diminuindo, vinham apenas vans, depois as vans foram reduzindo. Houve uma demanda de novas vagas pela região e uma redução realmente significativa. Como você não consegue ajustar cursos, porque o curso é um currículo com professores que são todos remunerados, tendo 200 ou 30 alunos, têm que funcionar completo. Então, começou a operar com déficit. Essa é a primeira razão. A expansão do ensino privado no país. Tanto que a universidade pública, que chegava a ter 30% da matrícula ou mais, foi reduzida. Houve um aumento grande de escolas federais, mas, mesmo assim, o percentual entre alunos de escolas particulares no país e de universidades públicas, diminuiu muito, algo como, de 30% para 20%.

O segundo, eu diria, foi da direção da Rede Metodista, porque ela não confiou a gestão a especialistas em educação. Ela, então, teve a ilusão de que não era complicado administrar uma instituição universitária. E aí você começa a interferir a partir de pessoas sem experiência, que não tinham o domínio das nuances. E, à medida que a crise se agravava, mais eles reforçaram esse modelo, até o absurdo de criar uma rede. A Rede Metodista é ampla, ela tem várias escolas no Rio Grande do Sul, em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, tem até no estado do Pará. Essa rede passou a ser gerida por um grupo de pessoas a partir de uma central em São Paulo. E a Rede administrava essas escolas por computador, por informações puramente estatísticas. À medida que a rede aprofundou a sua gestão, a crise foi se agravando. Evidente que, era normal se perder alunos com a expansão das escolas particulares. E você tinha, então, uma dificuldade da Igreja de ter um diagnóstico adequado para entender como seria a maneira de se enfrentar a crise, e ela demitiu os educadores. As críticas dos educadores passaram a ser vistas como críticas à essência do projeto. Essa substituição, ao meu ver e eu estou convencido disso, gerou essa crise. Quanto mais avançava, mais aumentava a dívida, até o ponto em que ela se tornou impagável.

Como surgiu esse manifesto, essa comitiva, para tentar trazer uma universidade federal para Piracicaba no Campus Taquaral? Foi iniciado pelas autoridades da Igreja e o sindicato dos trabalhadores da educação, o processo de uma recuperação judicial para tentar manter a entidade. Isso foi no Sul, o sindicato de lá se uniu ao grupo da Rede e conseguiu um projeto, que precisava ser aprovado judicialmente, para a negociação judicial e pagamento da dívida. Esse processo nos assustou porque significava a necessidade de fazer dinheiro. Havia uma dívida enorme, não era muito clara, mas temos a informação de que só a dívida com o Governo Federal, porque havia outras dívidas, com professores e funcionários demitidos, chegou a R$ 1 bilhão. Então, precisava fazer dinheiro, e o dinheiro se fazia com os próprios recursos materiais da rede, a venda dos imóveis que acolhiam as entidades. Esses imóveis foram comprados no século 19, eram muito bem localizados e enormes, fruto da época. Então eles eram muito bem avaliados. Quando decidiu-se leiloar o Campus de Santa Bárbara d’Oeste, nós entendemos que a questão estava no limite.

A reitoria de Piracicaba decidiu ir esvaziando o Taquaral, houve a transferência dos cursos que eles decidiram manter, para o Campus Centro, para liberar o Taquaral para venda. E isso assustou a todos. Se dizia que a única alternativa era vender, mas vender para quem? Vamos então começar a trabalhar a hipótese dessa venda se fazer para o próprio governo federal e conseguirmos salvar o projeto, não o da Unimep, mas termos um projeto educacional universitário para a cidade.

Estava claro que se criou um vácuo muito grande em Piracicaba e isso foi sentido por todos. A presença da Unimep era intensa, basta citar os dois congressos da UNE (União Nacional dos Estudantes) que aconteceram nos anos 1980. A UNE ainda estava clandestina, as escolas públicas não podiam acolher o congresso, então eram feitos nas particulares. E a Unimep chega a atuar de maneira intensa em vários espaços políticos do país. Todos os movimentos nacionais de reação ao golpe militar repercutiram aqui. Isso marcou uma geração inteira e segmentos da própria sociedade se integraram a esse movimento. Era um patrimônio que entrou em ameaça. Houve, então, uma comoção.

O movimento começa no gabinete da vereadora Rai de Almeida (PT). E não foi difícil agregar lideranças. Então se decide por essa luta de se tornar um campus federal. E vem uma belíssima surpresa. Nós soubemos a partir do nosso contato com a Rede, porque nós começamos a conversar com o grupo que estava lidando com essa situação de desmanche, os advogados da própria igreja. E nós descobrimos que havia uma decisão interna de que a dívida federal seria paga com o campus Taquaral. Quando soubemos que ele estava destinado ao pagamento parcial da dívida com a União, houve uma espécie de entusiasmo, porque temos relações fortes com lideranças do governo federal. Temos ex-professores, ex-prefeitos, pessoas que têm relações com segmentos do governo federal. Então decidimos ir direto ao ministério da Educação para saber do interesse deles em acolher, sabendo que a prioridade do governo é a educação.

A partir de uma iniciativa da Professora Bebel, conseguimos essa reunião com Camilo Santana, ministro da educação. E ele nos acolheu com estafe. E o prefeito também assinou o manifesto. A gente entendeu que o manifesto era da cidade. O prefeito não pode ir nessa reunião, mas foi o secretário da Educação (Bruno Roza). O ministro não abriu mão do encontro. Ele montou um encontro solene, todo o estafe dele presente, os grupos de finanças, secretários. Apresentamos o manifesto a ele, com as reivindicações. Evidentemente que ele acolheu. Embora ele não conheça São Paulo, ele é do Ceará, mas é um educador. Nós saímos da reunião com a convicção de que, dependendo do andar da carruagem, o projeto seria acolhido pelo governo federal. Esse retorno nos animou, e começamos a investir nessa operação.

Começamos a conversar com a estrutura da rede. Aí, graças aos acertos, a dívida de R$ 1 bilhão com a União foi sendo reduzida. Ela caiu para algo como R$ 390 milhões. E isso foi aproximando a possibilidade da gente ter um avanço expressivo. O valor do Campus da Unimep é menor do que a atual modelagem da dívida. Mas isso ajuda muito a criar condições de horizonte. Dá para liquidar a dívida com o governo federal. Isso, para a igreja e para nós, foi algo muito positivo e hoje estamos conversando recorrentemente. O grupo de educação da rede viu nesse modelo um ganho. Você não perde tudo. Você vai transformar um campus importante na história da igreja numa universidade. Houve, de alguma forma, aderência da igreja, a esse projeto.

Uma das ideias que surgiram foi a da desapropriação amigável do Taquaral. Como isso funcionaria? A possibilidade existe? Existe um mecanismo chamado dação. Quando há uma dívida com o governo por alguma entidade, você pode criar um mecanismo para doar um patrimônio em troca da dívida, ou para abatimento parcial da dívida. A primeira tentativa era a dação. Nós estamos trabalhando, em partes, nessa direção. Só que nós constatamos que essa legislação, que é antiga, é draconiana. Quando ficou claro para os advogados da igreja, eles mesmos nos procuraram para dizer que a dação era impossível. Há a alternativa da desapropriação. Nós ficamos perplexos e fomos estudar o que era essa alternativa. A gente começou a mudar esse enfoque e retomamos o diálogo com a rede. Imagina que você fecha um acordo com uma dupla definição. De um lado, uma desapropriação, do outro uma dívida que não tem nada a ver. A igreja aceitou unir a dívida com a desapropriação, então vem a ideia da desapropriação amigável. A rede já fez duas negociações de desapropriação amigável com prefeituras onde a igreja metodista tem imóveis. Isso foi rápido, positivo, e está se imaginando um desfecho parecido com a rede a respeito dessa desapropriação, que se tornou o nosso instrumento para essa negociação. Então, as possibilidades existem.

Com relação à UfsCar, que foi citada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Apesar de dois professores terem apresentado um projeto, a reitoria disse que não há negociações. Além disso, tanto a vereadora Rai, quanto a deputada Bebel, disseram que, independente de ser a UfsCar, elas querem uma universidade pública aqui. Seria esse, então, o principal objetivo da comitiva? O nosso objetivo sempre foi uma universidade pública autônoma. Eu diria que Piracicaba merece e espera por isso. Note que aqui nós temos uma região com muita oferta. Mas é uma oferta específica. Você tem a área da saúde bem suprida, a área da biologia bem suprida com a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), um ou outro curso na área de humanas, engenharias. É um conjunto de ofertas, porque a Unimep ocupava a área de humanas. O buraco na área de humanas ficou muito grande. Nós estamos imaginando uma universidade plena. Acontece que, nós também temos essa consciência, estamos numa crise econômica federal. A gente não pode ignorar isso. As universidades neste momento foram esvaziadas de recursos. Houve um corte de orçamento nesses últimos anos que chegou ao ponto de ter prédios que estão precários que precisam de recuperação, e não há recurso. São dezenas e dezenas de universidades no brasil.

O ministro da educação disse, no nosso primeiro encontro, que “eu acho mais provável que vocês sigam, se o pleito for aceito, com uma extensão de uma das três universidades federais que atuam em São Paulo”. Você tem a Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), que se expandiu muito hoje, que está atendendo na cidade de São Paulo vários campi, que foram criados para atender a demanda da cidade. Você tem a Universidade Federal do ABC, que é mais ligada à tecnologia, e tem a UfsCar. Uma dessas três poderiam ser acolhidas.

A gente tem que entender que a universidade é autônoma. O governo respeita a autonomia da universidade. Você não pode chegar dizendo que vai ser uma delas. Se for decidido que vai ser uma extensão, isso tem que ser negociado. Com quem? Não é com a reitoria. A reitoria vai ser o setor que iniciará e que vai administrar essa operação. Mas cada universidade tem, na sua autonomia, um conselho universitário, que é composto por dezenas de professores, funcionários, estudantes e membros da comunidade. E é esse grupo que define os rumos. A vida da universidade é regida pelo conselho. Nós temos isso claro e o governo também. É uma operação delicada.

Claro que quando o Vice-Presidente da República, ex-governador de, nosso estado, Geraldo Alckmin, informa que o ideal seria esse, é porque ele conhece São Paulo. No mundo político, você cria mais opções de interpretação do que o que é o fato real. O que ele quis dizer, então? Ele deu a opinião de que, se tem as três aqui, a federal de São Carlos é a mais próxima e a mais compatível com a Unimep. Na linha geral, é uma universidade culturalmente forte. Uma universidade não pode se limitar à formação profissional para ganhar dinheiro. Mesmo que você forme profissionais, ela é um espaço cultural, onde essa formação se dá numa imersão na cultura brasileira. Então isso envolve uma série de opções pessoais, e cada aluno em cada segmento faz as opções que lhe dizem respeito. Alguns até ficam presos na questão profissional, que fazem o curso para ganhar dinheiro. Tudo bem. É a liberdade de opção de cada um. Mas a universidade é um espaço cultural em que você aprende a apreciar a vida, a fazer opções políticas adequadas a você. Aprende a usufruir a cultura acumulada do país, seja na música, arte, literatura. E ninguém vive sem isso, é o que nos forma.

Evidente que, conhecendo São Carlos e conhecendo a escola de São Bernardo, é claro que o Vice-Presidente diria que o casamento melhor seria a extensão da federal de São Carlos, que é uma opção lúcida. Ele conhece o estado. Mas a opção dele é uma opção pessoal. Embora ele seja o vice-presidente, ele não tem o poder. Nem o ministro da educação tem o poder de fazer essa coisa acontecer a partir de um decreto. Isso tem que ser negociado porque a autonomia da universidade é sagrada para esses grupos que frequentam a vida universitária. Nesse sentido, o grande grupo que hoje dirige o país, encara dessa forma. Não se põe uma universidade a partir do que você entende ser o bom, o justo e o correto. Ela se constroi na região onde ela está. Se está na região do Mato Grosso, a questão indígena é muito importante, se está na Amazônia, idem, se está no Nordeste, a cultura de lá é importante. Se está no Sudeste, toda a região tem uma cultura rica. Temos que ter essa clareza.

E nós estamos nessa fase, agora. Primeiro, ver se o governo caminha na direção da desapropriação e afirmar que o Taquaral se transformará numa unidade universitária, que pode ser uma universidade nova, que é o nosso alvo principal, ou que pode ser uma extensão de uma universidade. Porque aí você tem uma economia enorme. Não tem que montar um conselho universitário, não tem que montar uma reitoria, não tem que montar os pró-reitores, não tem que montar o estafe todo de uma universidade, que é sofisticado e necessário. Como uma extensão, o custo é muito reduzido. Estamos com um caminho prioritário, e, entendendo a conjuntura, dispostos a negociar uma extensão de uma das três universidades federais em Piracicaba.

Comentários

2 Comentários

  • Marcos Lemos 09/08/2023
    Universidades federais viraram pocilgas comunistas, uma vergonha nacional, não se trata mais de conhecimento mas um celeiro de comunistas , vagabundos , petistas e psolistas, maconheiros, idiotas de uma ideologia fracassada....por isso a ptzada quer para se tornar um polo de idiotas totalitários....a sociedade piracicabana não merece isso! Fora pt!
  • Marcelo 07/08/2023
    Longe daqui, o povo piracicabano NÃO quer Universidade Federal, antro de maconheiros e comunistas