ARTIGO

Lembranças de um velho aldeão (5) – 45 mil miseráveis, aqui?

Por Cecílio Elias Netto |
| Tempo de leitura: 3 min

Já ao início da escrevinhação, permito-me apelar à sabedoria popular: “O diabo sabe de algumas coisas não por ser diabo, mas por ser velho.” Explico-me: aprendi a ter dúvidas e suspeitas diante de divulgações de grandes obras da administração pública. Vai daí, o espetaculoso anúncio de asfaltamento de vias públicas em Piracicaba traz-me, de volta, cautelas da velha escola jornalística. Por que tanto abandono anterior?

Que o eventual leitor seja compassivo diante da insistência do escriba em afirmar os seus quase 70 anos de atividade jornalística exercidos em nossa terra abençoada. Ele seria, pois, grande tolo se nada tivesse aprendido, visto, escutado e ouvido coisas. E entendido. Uma das primeiras lições que mestres de jornalismo me transmitiram: duvidar para questionar.

Ao longo dessa jornada, conheci ou tive contato com todos os prefeitos de Piracicaba. Dos velhos coronéis, Samuel de Castro Neves e Luiz Dias Gonzaga, a Luciano Guidotti, Cássio Padovani, Salgot Castillon. Vi nascer as candidaturas de Adilson Maluf e João Herrmann. Nélio Ferraz de Arruda, ACM Thame, Humberto de Campos, José Machado, Barjas Negri. Presidi partido e fiz política. E sei lá mais o quê!

Portanto, quase poderia repetir como Heráclito: “Nada da política de Piracicaba me tem sido estranho.” Na verdade, porém, não posso fazê-lo. Pois nunca vi – quanto à inação e despreparo – nada igual à atual administração. Há um misto de vaidade e de incompetência.

Começa a soar insultante a insensibilidade social de alguns setores da classe política. Mais aceitável seria se fosse alegado ignorância. O falecido prefeito Adilson Maluf, ao ser cobrado por sua indiferença à questão social, indagava: “Mas o que é essa questão social?” Pois o seu  trabalho era o de  fazedor de obras. E, tantos anos depois, o atual prefeito parece querer marcar a sua administração com ênfase ao asfaltamento massivo de ruas. Ora, por que não as conservou antes? Por que permitiu a deterioração escandalosa e revoltante?

Agora, o inacreditável e vergonhoso revelaram-se em números oficiais: em Piracicaba, 45 mil pessoas estão em extrema pobreza! 45 mil conterrâneos, com os quais convivemos na mesma cidade que foi a “Pérola dos Paulistas”! 45 mil pessoas que formam uma população maior do que a de cidades da região. Ou seja: os famintos de Piracicaba são em maior número do que os habitantes – em números estimados pelo IBGE para 2021 – de São Pedro (36.298), de Rio das Pedras (36.233), de Charqueada (17.539), de Saltinho (8.498)!

E que se não usem argumentos apenas teóricos de estarmos vivendo uma crise internacional. A fome de 45 mil piracicabanos é de responsabilidade nossa, de toda a Piracicaba. A fome é piracicabana! Enfrentá-la é desafio nosso, da coletividade. E, em especial, deveria ser da Prefeitura, tivéssemos um prefeito com sensibilidade, imaginação e competência suficientes. Há mais de dois anos, estamos sugerindo que o alcaide convocasse uma comissão de especialistas para estudar, equacionar, procurar soluções diante de realidades desafiadoras trazidas pelo novo mundo da ciência e da tecnologia. Mas a vaidade e a pretensão ensurdecem.

O horror, porém, apenas se anunciou. Pois o desemprego tenderá a aumentar a cada grande descoberta tecnológica, que continuará substituindo o trabalho humano pelo das máquinas. Como os pobrezinhos encontrarão emprego num universo que já exige especializações e conhecimentos a que eles não têm acesso?

A vergonha, pelo menos ela, tem que levar-nos à reação. Com ou sem polítcos. Mas, preferencialmente, através deles.

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