Por Marisa Bueloni
Há tardes em que sou capaz de ver o invisível. Não sei o que é, nem de onde vem. Apenas aparece na minha frente como algo que flui, escapa pelo ar, volátil matéria do nada. Enfrento abismada a beleza do momento, tão efêmero e tão misterioso.
Não dá tempo de olhar para ele, já sumiu. Não se fixa nem por um átimo, não se pode imaginar o que seja, some da vista tão rápido quanto apareceu. Dirigindo meu carro, penso em parar, estacionar em algum lugar seguro para assimilar o que acabou de acontecer.
É como se fosse uma graça divina tentando fazer contato, a qualquer hora do dia ou da noite. Logo após a fugaz visão, assalta-me a certeza absoluta de todas as coisas, da origem do universo à nossa antiga ancestralidade. Vejo lá atrás seres que representam a nossa estirpe e tudo se apaga num piscar de olhos.
Ando ouvindo um som suavíssimo no entardecer do dia. Bem naquela sublime passagem em que os desmaiados raios do sol entregam-nos para a noite. Algo soa delicadíssimo, enquanto quero pegar com as mãos as últimas cores do céu. Aprisiono em meu peito a doce poesia da hora que se acaba.
Tudo se acaba, penso tristíssima. Amores começam e terminam, às vezes sem ao menos um adeus. Acabam de forma abrupta, brutal e sem palavras. Então, repito como na canção: o que fazer, se eu tenho só palavras para te conquistar?
Não tenho mais nada, meu amor, além das palavras. E quanto a elas, não sei de onde vêm. Olha que vírgula mais bonita a frase pediu agora. Se não colocar a vírgula, a frase sobrevive. Para que uma sentença gramatical tenha dignidade, é necessário clareza e limpidez. A vida é assim: afirmação, tenacidade, garra e luta. E que ninguém pense em desistir dela.
A vida pede as palavras certas. Se errarmos no verbo, podemos acertar no adjetivo. Mas minha predileção são os substantivos, pois remetem à concretude, à existência de alguma coisa criada, que podemos tocar e sentir. A professora ensinou tão bem, explicando dolorosamente os substantivos abstratos, enigmáticos, que fazem a festa do meu pobre coração.
Até hoje, quero pegar na saudade, na solidão, na dor que nos consome quando a sentimos, seja por qualquer razão. Há dores para além das físicas e estas nos esmagam por dentro. Dores são meros substantivos?
De onde vêm as nossas razões, os nossos motivos? Das orações que rezamos, desfiando as contas do nosso terço amado? De onde vem a fé, os poemas, os desejos? De algum secreto lugar da nossa alma pequenina, enquanto lá fora as frases e as palavras não têm fim. Um amor tem fim. Uma saudade não. Diz a letra de uma canção lindíssima: “Tristeza não tem fim / felicidade sim”.
O coração deseja filosofar, retomando aos poucos o tema da crônica: de onde vem a súbita visão do invisível? De onde vem a luz fugidia e veloz, sem dar tempo de conhecê-la? Seria possível tocar seu substrato, a flor da sua essência? Nem estacionando o carro, nem fechando os olhos, em momento algum a visão se completa. Trata-se de um fragmento, uma parte de um todo que não se revela. Um véu que se ergue muito timidamente, só uma pontinha dele.
Somos feitos de um sopro divinal que nos abraça sem cessar. Ouso afirmar que somos feitos de sonhos e de estrelas. E dos poemas de amor.
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