Por Marisa Bueloni
Aposto sempre na simplicidade. A verdade é que os tempos estão bicudos e não podemos brincar. Temos de administrar muito bem nossos ganhos, nossos proventos, ainda que modestos, ou corremos o risco de nos dar mal.
Penso nos momentos da vida em que a simplicidade é sempre a melhor escolha. Uma espécie de “morte do eu”, do nosso inflado e exigente “ego”, mortezinha vital para enxergarmos um pouco além da própria imagem e resistir ao que nos seduz de forma quase irracional.
Por sorte, até mesmo a pequenina poesia do cotidiano se transforma, para nos dizer algo. Ah, o inaudível apelo do silêncio dentro de nós! Quanta coisa ele nos diz. É a voz da nossa gentil consciência, advertindo-nos dos excessos e extravagâncias.
Aposto no “menos é mais”. E morrerei afirmando que a felicidade reside nas coisas simples da vida. No bule de café que minha mãe deixava sobre o fogão a lenha, no bolo de fubá que ela desenformava, cheiroso, com o aroma da erva doce. São lembranças de um tempo onde parecia tão mais fácil ser simples.
Ah, era bom demais os domingos nos sítios, o balanço de corda amarrado no galho alto da mangueira. Ali, a menina tímida extravasava a sua dor e podia sonhar que reinava sobre todas as coisas da terra. Era permitido penetrar no universo mudo das palavras que ainda não conhecia, mas que existiam nela por obra de algum encantamento.
A menina sempre desejou ser simples. E quase sempre o foi. Aspirava à singeleza nos gestos, nas atitudes, no procedimento de espíritos nobres. Espelhava-se nos adultos, na maneira como o pai se benzia antes de dormir, na calma para comer, o jeito de sair para trabalhar.
Tem gente que é simples por natureza, por genética. Há pessoas com aquele ar genuíno da pequenez que lhes é tão peculiar e não pode jamais ser imitada. Não adianta querer copiar alguém que admiramos em sua simplicidade. Esta pessoa carrega um dom intrínseco, uma história de vida que a faz assim, um desenho perfeito da pequenina e grandiosa beleza humana.
Durante toda a vida persegui esta beleza, este equilíbrio, a sensatez na mistura de cores no vestuário, a opção pela opacidade em vez de muito brilho ou muitas jóias. Nada do deslumbramento consumista, das coleções disto ou daquilo. Apenas o necessário para o uso diário.
Parece que para muita gente não é fácil desapegar-se de objetos, móveis, coisas guardadas há tanto tempo e que não são usadas. É bom lembrar-se de quem esteja necessitando daquilo que já teve utilidade para nós um dia. E doar, doar com o coração e com generosidade.
Este é meu pequenino poema da vida, o fascinante “menos é mais” que causa tanto bem à vista e à passagem do tempo em todos nós. Aos poucos, vamos desapegando-nos, despedindo-nos de velharias guardadas há séculos para viver com o essencial. Vamos tirando o excesso, “enxugando” aqui e ali os adereços supérfluos que cercam nossa existência, para minimizar o que de fato importa.
O que importa? Ter garantida nossa digna sobrevivência, a possibilidade de honrar com nossas contas, amar o próximo, fazer o bem e tentar praticar a justiça. Sem esquecer o principal: a salvação da nossa alma.
E então, iluminados por um fogo interior inextinguível, ousamos ser simples como as pombas e prudentes como as serpentes, na bíblica figura da sabedoria.
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