Tarde azul

Por Marisa Bueloni | 12/01/2022 | Tempo de leitura: 3 min

“A tarde seria azul, se não houvesse tantos desejos”, diz um verso de Drummond. Em silêncio, ratifico a fina especulação afirmativa, num poema supremo em sua exuberância climática, esférica, final. Basta um céu de anil para que sentimentos brotem dentro de nós, além de desejos.
Desejos e sonhos existem para que sejam permanentemente desejados e sonhados. Ou a vida não teria sentido. Nada querer, nada esperar – isso é viver? Há uma beleza inefável em se carregar um sonho no coração. Há uma revolução maravilhosa quando existem desejo e amor nas almas e nos corpos.
Eu vi o amor. Um dia, eu o vi. Vestia uma roupa simples, sem majestade alguma. Mas possuía a altivez dos nobres. Teria o amor, além da nobreza, a coragem dos fortes? Pressuponho que sim. Apenas constato que o amor faz de nós pessoas melhores. Em tudo.
O poeta sabia do que falava ao citar desejos. Se não houvesse tantos. Mas eles existem e nos provocam noite e dia. Cabe a cada um a árdua tarefa de controlar a própria alma, na inteligência e na vontade.
Entendo loucamente de tardes azuis, de desejos, de sonhos e de amores. Assim, no plural, amores. Porque tenho provado intensa e profundamente da paixão que é viver. Mais: tenho sentido de perto o valor de tudo que é puro, natural, intocável. A pureza se torna ainda mais genuína quando constitui a base dos desejos, dos anseios, das expectativas. Não se pode manchar, conspurcar esta sacralidade.
Quem vive sem desejos não vive. Não pode dizer que está vivo aquele que não sonha, não projeta para si mesmo seja lá o que for. A condição maior para a vida é desejar, sonhar, ter esperanças, amar. O maior desejo da natureza humana é ser amado, acolhido, aceito, valorizado.
Quem já sofreu a amargura da rejeição e da humilhação conhece o substrato desta dor. Nada neste mundo nos faz querer repeti-la. Lutamos contra as lembranças que a evocam e a reproduzem. O desejo de amar e ser amado representa a grande certeza do nosso coração, o mais lindo evento sobre a terra.
A tarde dispensa o azul. Ou vice-versa. Nossa alma errante sabe exatamente aonde quer chegar. Não somos criaturas estúpidas ou perdidas num deserto inóspito. O solo individual de cada um proporciona alguma sabedoria, trafega pelo conhecimento e estaciona na prudência. Sentimo-nos seguros, até mesmo diante do caos atual, com vírus em série contaminando o mundo.
Embora cometamos erros sobre erros, costumamos acertar quando somos amorosos. Digo que o amor cura e salva. Todo tipo de amor, sobretudo aquele que respeita o próximo e vê nele a beleza da dignidade humana. Todos nós nascemos para a felicidade, para o desenvolvimento pleno de nossas potencialidades. Ninguém nasceu para viver sob o jugo do outro.
A tarde azul já se diluiu por aqui. Mas permanece viva, pulsando entre as palavras. Sim, Poeta, tinhas razão quanto à tarde e aos desejos. Concordo inteiramente. Seria da cor que quiséssemos esta tarde perfeita, como a receita do frango perfeito que, no entanto, não elegeu o candidato na prova culinária.
Quando o ano começa, começo. Inclino-me à poesia de todas as horas. Que as tardes, azuis ou não, nos envolvam em graça e paz. É tudo o que precisamos neste início de ano, nesta volta cíclica em torno do Sol, em busca do amor e da felicidade. Deus abençoe a todos nós.

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