Era bom demais!...

Por Marisa Bueloni | 13/05/2021 | Tempo de leitura: 3 min

Houve um tempo – e a gente custa a crer que houve! – em que nas casas havia um só telefone, uma só tevê, um só banheiro (o chuveiro durava décadas!), e a família possuía só um carro. Somente os muito ricos é que tinham dois. À noitinha, a distração de muitos que moravam nas ruas centrais, era colocar as cadeiras na calçada para ver os carros passarem.

Então, as casas tinham só um banheiro. Era o único, disputadíssimo, e servia também para as visitas. Minha mãe não cansava de deixar tudo limpo e organizado. Nós colaborávamos nas faxinas, na lavagem das roupas. Estender no varal, recolher, colocar cada peça no seu lugar. Aprendi com minha mãe a ser zelosa e organizada com a casa.

A tevê foi um capítulo à parte, naquele tempo. Não havia controle remoto, era preciso levantar da poltrona e ir até o aparelho para mudar de canal. Ali pelos anos 50-60, ter tevê em casa era algo espetacular. A família se sentava reunida na sala para ver tevê, e era difícil que o gosto ou a preferência de alguém prevalecesse. Meu pai não era simpatizante, via pouco, ficava mesmo para nós, com a juventude saindo pelos poros. Festivais da Record, Roberto Carlos e a Jovem Guarda, Alô Doçura, desenhos e filmes que nos encantavam. Os filmes de faroeste. Os cavalos trotavam, a poeira entrando nos nossos olhos. E o sargento Garcia nunca que conseguia prender o Zorro!

Telefone era algo desesperador. Sobretudo quando uma de nós namorava, e o telefonema do amado podia não chegar, pelo fato de estarem usando o bendito. Era uma súplica ardente tipo “não demore muito, por favor”, “pelo amor de Deus, ele vai ligar!”. Cada um queria ter seu tempo para conversar com os amigos e a alma de quem tinha de esperar ficava em pedaços.

O carro. O carro era um só. Lembro-me tão bem de um amigo que sempre me contava como eram as viagens da família dele à praia. Ele sempre terminava assim: “Não sei como cabia todo mundo dentro do carro”. Pai, mãe, três filhos, uma prima e uma tia. Adoradas, claro, ou não estariam ali. Ele mesmo se perguntava: “Como havia lugar para a bagagem de todos no pequeno porta-malas? Que roupas minha mãe levava para nós?”.

Era um tempo tão fabuloso que ninguém ligava para roupa, sapato, coisas chiques. O sonho maior era a praia, viajar sem nem saber se haveria onde se hospedar. Sim, sempre tinha um hotel a postos. Não havia filtro solar, todos ficavam vermelhos e ardendo. Os dias à beira-mar eram desfrutados com fervor apostólico, recheados de risadas e ajuda mútua, porque sempre alguém entrava em aflição pela falta disto ou daquilo. Era bom demais!

Também era o tempo das serenatas. Aquele violão, as vozes lá na rua, a gente acendia a luz do terraço pros cantores saberem que estávamos ouvindo. Meu pai, bravo, mandava apagar, mas a gente acendia a luz de novo. Era adorável, meu Deus! Hoje, quem se atreve a sair pela madrugada, sobretudo com o vírus rondando a noite?

Houve esse tempo. Toda uma geração o viveu, e tenho certeza que as lembranças são inesquecíveis. Não vou fazer nenhuma comparação com os dias de hoje, cada um com seu carro, seu celular, sua tevê no quarto e seu banheiro. Isolamento pouco saudável. Tempos de hoje…


Imagem: wirestock

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