Cantiga de amor

Por Marisa Bueloni |
| Tempo de leitura: 3 min

Recebi uma ordem. Preciso digitar o amor. Árdua tarefa essa que os Anjos me impuseram. Estou perdida. Tenho de dar conta do recado. Veio do Alto e cumpro minha missão.

Deus é Amor. É Ele o primeiro a ser lembrado. Não se pode escrever sobre o amor, sem citar o Amor em toda a Sua glória. A Ele, nosso primeiro pensamento ao acordar. Estamos vivos! Não morremos durante o sono e vamos viver mais um dia. Que a graça desça sobre nós em cada manhã.

Escrever o amor. Começo pelo pote de mel onde ele habita. A bandeja de ouro, a aurora tremeluzindo no rosicler da esperança. Que se acenda este segundo sol abrasador. Montem guarda, é preciso esperar pelo mais belo de tudo. Ainda não chegou.

Falo de um alumbramento fatal, de uma doença dos trópicos, em que o enfermo tem náuseas de mares e vomita flores; o estouro da boiada; um piano fechado e solitário; um vestido de renda; um quadro na parede; uma parábola bíblica onde o Rei diz que é senhor do sábado; uma xícara de chá; saudade do que não se viveu; banana, mamão e maçã; um perfume; pão fresco sobre a mesa e a paz eterna. Ó, quanto amor há em cada elemento!

Mas dirijo-me, acima de tudo, ao amor universal, ao amor por todas as coisas e criaturas, ao amor pelas feras do Serengueti, na África. Abraçar um gnu. Brincar com um guepardo. O reino messiânico do profeta Isaías, quando o leão comerá palha com o boi e a Terra estará cheia da ciência de Deus.

Ah, o amor da vida renovada. O amor de quem ficou de sentinela na plataforma da espera. Como são belos os pés do mensageiro. O amor dos eleitos para repovoar o planeta, a nova geração de sábios que tomarão decisões universais. Bela será a reconstrução do mundo que há de vir.

Refiro-me também ao amor entre homem e mulher. Aquele. Vós sabeis o qual. O que causa trepidação no solo. O que faz as almas pegarem fogo, as luzes emanando dos corpos no encontro mais belo. A natureza é sábia, senhores. Deus fez tudo perfeito. Por isso os olhos brilham e o coração sonha.

Ah, meu poema inacabado! O que faço aqui, na longa estrada da vida? Vou seguindo e não posso parar. A que horas chega o amor, por favor? Alguém disse que “o amor é sofrimento”. Para todos, reina um amor absoluto: o amor da Cruz! “Amai-vos uns aos outros” – é tão antigo! Tem mais de dois mil anos.

Em seus versos, os poetas tentam imitar a manhãs orvalhadas de romances, os dias salpicados de volúpias, as ruas varridas de suspiros, as casas feitas de nuvens, as paredes recheadas de beijos, as pessoas grávidas de sonhos. Os poetas entendem do amor como ninguém. Pergunte a um deles o que é amar e a resposta virá em rimas perfeitas, como perfeito é o amor que nos arrasa a alma.

Os dias passam e as cantigas de amor ainda são ouvidas aqui e ali. No rádio, alguém diz na canção que está apaixonado. Eu estou apaixonada, mas não digo o nome do Noivo. Se já adivinharam, melhor, não preciso revelar.

Fecho a crônica, calada e muda. Hoje, eu quero a rosa mais linda que houver e a primeira estrela que vier. Sou menina-passarinho com vontade de voar. Queixo-me às rosas, mas que bobagem. As rosas não falam. Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer.

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