Pé esquerdo

Por Rubinho Vitti | 24/01/2021 | Tempo de leitura: 3 min

O prefeito de Piracicaba, Luciano Almeida, começou seu governo com o pé esquerdo. Como forma de tentar amenizar a situação crescente da Covid-19 na cidade, ele optou por orientar o uso de um "kit Covid", um combo de medicamentos para "prevenção" da doença.

A rede municipal de saúde é quem vai distribuir os medicamentos com prescrição médica, mas que "ninguém será obrigado a tomar". O kit inclui hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. "Nós acreditamos que isso (os remédios) seja uma alternativa a mais para a sociedade", disse.

Depois da divulgação negativa, a prefeitura soltou nota dizendo não haver "kit covid", apenas a disponibilização dos medicamentos na rede pública conforme "pedido da população". E quem foi essa "população"? Houve uma solicitação formal e ampla? Um protesto? Um abaixo assinado? Quem representa tais munícipes sedentos por esses remédios? Não sabemos!

De qualquer forma, tal atitude alimenta a lenda do tratamento precoce que é ultrapassada, já que outros países do mundo já viraram a página sobre este assunto, por ser cientificamente ineficaz.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou estudos sobre a ineficácia de medicamentos no tratamento da Covid-19. A FDA, agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, disse que esses medicamentos não têm eficácia comprovada contra a Covid-19.

A SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) não faz nenhum tipo de recomendação de medicamentos preventivos contra a doença e disse não haver estudos comprovando que, os já citados acima, entre outros, sirvam para combater a doença.

Quer mais? Temos! Órgãos máximos de infectologia dos EUA (IDSA) e Europa (ESCMID), Centros Norte-Americanos de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e Agência Nacional de Vigilância (Anvisa): todos seguem na mesma linha.

Além disso, a hidroxicloroquina, mais famosinha do grupeto de remédios, é perigosa. Segundo estudos, ela pode gerar problemas no intestino, de visão e, mais grave, problemas cardiovasculares.

O estudo feito pelo médico francês Didier Raoult, que muitos usam para dizer que o kit dá certo, é muito criticado por alguns dos órgãos citados acima por ter sido muito limitado. Há de se lembrar que o médico basileiro considerado o criador do tal "kit Covid" (vamos omitir o nome em respeito ao luto da família), morreu, aos 46 anos, por complicações da própria doença.

Infelizmente, Piracicaba não está sozinha. Outras prefeituras seguiram esse modelo de "prevenção" sem comprovação científica. Além disso, no âmbito nacional, o governo lançou o TratCov, um aplicativo que, segundo divulgações do Ministério da Saúde, é "um mecanismo com mais segurança e rapidez no atendimento a pacientes com a doença". Pesquisadores fizeram o teste do aplicativo e, independente dos sintomas apresentados, ele oferece sempre, como opção a médicos, a prescrição de cloroquina, ivermectina, azitromicina, etc.

No podcast Café da Manhã da Folha de S. Paulo de 15 de janeiro, a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Deisy Ventura, explicou sobre a ineficácia de tratamento precoce contra a Covid-19. Segundo ela, a questão da cloroquina no Brasil é uma "vergonha mundial".

"O Brasil é o único país que criminosamente mente que existe tratamento precoce com cloroquina". Ela cita o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que disse em seu livro que Bolsonaro nunca acreditou que a cloroquina faria bem à saúde da população, mas que "com a caixinha de cloroquina na mão as pessoas vão voltar a trabalhar".

Ou seja, o tal "kit covid" dá a ilusão às pessoas que elas estão seguras para continuar utilizando transporte público, indo a seus locais de trabalho sem se preocupar, alimentando a máquina da economia, a principal (e aparentemente única) preocupação do Estado quando o assunto é Covid-19.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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