Loucura de Natal

Por Rubinho Vitti | 21/12/2020 | Tempo de leitura: 3 min

"Qual foi a maior loucura que você já fez na sua profissão?". Essa é uma das perguntas que o apresentador Fábio Porchat faz a seus convidados do programa "Que História É Essa, Porchat", da GNT. Eu adoro e sempre brinco junto quando assisto e vou respondendo essa e outras perguntas.

Jornalistas do mundo todo devem concordar comigo, trabalhar como repórter, seja em redação de jornal, rádio, TV ou internet, é realizar uma loucura quase todos os dias. Nos seis anos que estive na redação do Jornal de Piracicaba posso afirmar com todas as letras que cometi as maiores loucuras da minha vida.

Afinal de contas, não é uma profissão qualquer. A gente literalmente se enfia em cada lugar para conseguir uma boa história, desvendar algum mistério, investigar uma denúncia ou simplesmente relatar uma experiência diferente.

E daí que já voei de balão, saltei de paraquedas, fui cadeirante nas ruas do centro da cidade por um dia, passeei pelo cemitério depois da meia-noite com tudo escuro, entre muitas outras coisas engraçadas, perigosas e emocionantes.

Mas respondendo a pergunta do Porchat, a maior loucura que já fiz na minha profissão foi ser Papai Noel por um dia. Sim, meus amigos. Essa foi a maior loucura que fiz na minha profissão. Eu explico!

Em uma tarde qualquer na redação do JP minha editora da época, Eleni Destro, me passa a pauta: ser Papai Noel do Shopping Piracicaba por um dia. Não sou ator e nem um avô barbudo barrigudo e sorridente acostumado com crianças para dizer que seria fácil. Mas, claro, eu disse sim.

Lembro que na época a Mariana Guidi, que trabalhava na área de eventos do jornal, e Hugo Amstalden, ex-secretário de redação, prepararam tudo, arrumando a roupa, a peruca e a barba. Fizeram maquiagem, colocaram algumas almofadas debaixo da roupa e transformaram aquele jovem magro de 27 anos em um senhor rechonchudo. E lá fomos eu e a fotógrafa Isabela Borghese para o referido centro de compras.

Na mesma hora que pisei no shopping percebi que Mick Jagger é fichinha perto da fama do Papai Noel. Caminhando pelos corredores, as crianças me perseguiam já fazendo pedidos. Paravam para tirar fotos, gritavam o nome do Bom Velhinho para lá e para cá. Até que cheguei no famigerado trono, onde passei um tempo atendendo as crianças e seus desejos inusitados.

O que mais me chamou a atenção foi a crença daqueles pequenos seres naquela figura mitológica. Com voz cantada e mais grossa, respondia a cada pedido com uma bondade que não sei bem de onde tirei.

Já havia sido Papai Noel outras vezes, para primos pequenos, mas nunca havia gostado dessa experiência. Sendo o Papai Noel do Shopping, parece que uma luz acendeu na minha mente como se explicasse o que é "crer".

A fantasia de muitas crianças vira realidade em dezembro pelas mãos de dezenas de milhares de "Papai Noéis" pelo mundo. Essa figura, criada por uma marca de refrigerante, mas inspirada em um santo bondoso, é dicotômica.

É radical demais pensar que ele deveria ser banido, mas simples demais para não entender que ele já está no imaginário popular do planeta. Por isso, a responsabilidade de ser um personagem como esse é gigante.

Seria justo colocar na cabeça de uma criança a ideia de uma pessoa tão "ideal" como o Bom Velhinho? Bons velhinhos, os que conheço, nos contam boas histórias, nos fazem viver outras épocas. Nos abraçam com saudade, nos dão a benção, fazendo o sinal da cruz na nossa testa com seus dedos enrugados.

Talvez no Natal poderíamos dar menos atenção ao Noel da Coca e valorizar os velhinhos da sua família. Seu pai, sua mãe, seu tio, seu avô, sua avó. Uma ligação, uma cartinha, uma mensagem no celular… Em um ano tão esquisito como este, talvez seja o único abraço que eles vão poder receber.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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