Coro dos descontentes

Por Rubinho Vitti | 07/12/2020 | Tempo de leitura: 3 min

O ano era 2016. Abri minha caixa de documentos, vasculhei os envelopes e saquei o título de eleitor. Nele, estavam anexados os comprovantes de todas as eleições que participei desde que tinha 18 anos.

Era um domingo ensolarado, as ruas desertas, mas com intenso movimento em escolas que vi pelo caminho. Entrei na seção eleitoral, revi uma antiga colega de escola que trabalha como mesária, fui até a urna eletrônica, digitei os números dos meus candidatos, apertei o verde e pronto. Estava em dia com meus compromissos e ganhei mais um comprovante para a coleção.

Essa foi a última vez que votei. Sempre gostei muito de votar, é uma sensação de que estou fazendo algo bom para o país e para aquilo que acredito. Mas esse sentimento tem ficado para trás ano a ano. Por não morar mais no Brasil, votar para mim não é uma obrigatoriedade.

No início, na eleição que elegeu Bolsonaro, confesso que fiquei bastante angustiado por não ter transferido o título de eleitor para a Zona Eleitoral do Exterior (ZZ), que dá direito ao brasileiro de votar no exterior. Agora, esse sentimento se foi. E parece que não é só comigo.

O número de abstenções nas eleições 2020 foi o mais alto dos últimos 20 anos -- 23,15%, ou seja, 34.121.874 dos 147 milhões de eleitores aptos a votar não foram às urnas no primeiro turno. Em Piracicaba, a porcentagem foi ainda maior que a média nacional. Dos 290,9 mil eleitores, 88.795 (30.51%) não participaram.

Aí chegou o segundo turno, e Piracicaba tinha que escolher entre Luciano Almeida (DEM) e Barjas Negri (PSDB), mas o que o piracicabano escolheu mesmo foi ficar em casa. Foram 100.194 eleitores que deixaram de votar.

Almeida, o vencedor, recebeu 85.081 votos, bem menos do que deixou de receber. Ou seja, se somar as abstenções com votos brancos e nulos, foram 131 mil piracicabanos que não votaram nele e em ninguém.

Quando o assunto é o legislativo da cidade, a questão é dicotômica. Se por um lado as cadeiras foram renovadas em mais de 50% -- 13 vereadores iniciarão o primeiro mandato em 2021 enquanto 10 foram reeleitos -- por outro, algumas “raposas velhas” da política permaneceram por lá, completando algumas dúzias de anos na política.

Não que eu seja alguma coisa para questionar o voto da população da minha cidade, mas algumas escolhas foram bem questionáveis.

É triste ver candidatos com muito potencial, experiência em legislar, histórico de lutas políticas foram escorraçados pelos eleitores, que preferiram escolher amadores com ideias popularescas, radicais e até antidemocráticas.

Afinal, como pode um vereador fazer parte da “festa da democracia” e ganhar usando como uma de suas bandeiras a volta da monarquia?

Outros candidatos venceram com apelo em questões religiosas ou usando como discurso porte de armas, ideologia de gênero, pedofilia e outros assuntos que, definitivamente, não são nenhuma prioridade na pauta da Câmara de Vereadores de uma cidade como Piracicaba. Eu me questiono se alguns deles sabem mesmo qual o papel de um vereador.

De qualquer modo, a Câmara piracicabana parece ter ficado mais heterogênea. Mesmo com a branquitude imperando, sendo 78,3% dos eleitos brancos, agora são cinco vereadores pretos ou pardos. Do total, foram quatro mulheres eleitas, o que ainda é pouco, mas é o dobro da formação atual da casa.

A fiscalização do Executivo pode ser maior, por uma pluralidade de partidos sendo representada e vozes que, apesar de estarem aparentemente sozinhas, tem um eco que vai contra a corrente de um sistema tão tradicional e conservador que tem permeado essa Casa de Leis nos últimos anos. E essa é a minha esperança!

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