As sete vidas de Nikk?

Por Rubinho Vitti | 09/11/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Eu era recém-formado quando tentei pela primeira vez trabalhar no Jornal de Piracicaba. Sentado na recepção, esperando ser chamado para a entrevista, vejo um vulto em disparada correndo para dentro da redação. Boquiaberto, percebi que um gato havia entrado da rua para dentro daquele jornal. Como assim?

Reparando melhor, pude ver que havia ração e potinhos de água pelos cantos, para alimentar os bichanos. Eles eram moradores daquele ambiente que recebia visitas importantes de autoridades, artistas, e que, achava eu, deveria ser bem mais “formal”. Fiz o teste, mas, pela inexperiência, não fui chamado para trabalhar.

Ao sair do ambiente da redação, dei de cara com um gatinho me olhando, como quem pede comida. Preto e branco, tipo Frajola, ele piscou para mim lentamente com os dois olhos, como fazem os gatinhos que se simpatizam com os humanos, meio que dizendo: “a gente se vê em breve”.

Tempos depois, mais maduro profissionalmente, voltei ao JP para uma nova tentativa. Dessa vez haveria um teste: precisava fazer um texto completo que seria publicado no dia seguinte. Nervosíssimo, sentei em frente a um computador e passei a pesquisar a pauta.

No mesmo instante, como que curioso para saber quem era aquele ser novo dentro da redação, o mesmo gatinho deu um pulo certeiro sobre a mesa, espalhando a papelada e me fazendo tremer de susto.

A minha futura editora, Eleni Destro, introduziu-me ao mascote do JP. “Esse é o Nikk?. Ele é assim mesmo, intrometido (risos)”. Nikk? deitou-se ao meu lado e não saiu até que eu terminasse o texto. Saí dali mais confiante e com um sorriso no canto da boca.

Os dias, as semanas, os meses foram se passando e segui no Jornal de Piracicaba por felizes seis anos, em uma redação cheia de colegas maravilhosos e, junto com a gente, todos os dias, Nikk? também estava presente. Seu parceiro, Tsuyu, que também vivia no jornal, às vezes dava o ar de sua graça, mas era mais comedido.

Nikk?, não! Como um bom bichano vira-lata, era ele quem dava carinho, fosse “almofadando” nossa barriga enquanto escrevíamos um artigo dificílimo, ou nos abraçando, com as patinhas no nosso ombro e ronronando no nosso ouvido como quem dissesse: calma, está tudo bem.

A gente até chamava ele de editor-chefe do JP, pois, no fechamento da edição, sempre estava presente, o que deixava tudo mais leve.

Às vezes, Nikk? se enfiava no meio do maquinário de impressão do jornal e chegava completamente imundo à redação. E isso acontecia quando ele tinha acabado de voltar do pet shop para um bom banho.

Outros dias, Nikk? chegava com um machucado, por causa de uma briga com outro gato na rua, ou então estava fraquinho, pois sofria da chamada “leucemia felina”, além de alergias. A gente ria quando a secretária do jornal corria atrás dele, tentando, em vão, capturá-lo para que pudesse ser levado ao veterinário.

Nikk? sempre voltava pleno, renascido como uma Phoenix, mesmo sabendo que havia gastado mais uma de suas sete vidas. Mas elas foram se acabando e se acabando. No final de outubro, Nikk? não resistiu e partiu.

Mesmo longe do JP e de casa há mais de três anos, eu não pude conter as lágrimas com a notícia. E não fui só eu, mas toda uma geração de repórteres, editores, diagramadores e outros funcionários se comoveram.

Já tive as mais belas experiências com bichanos, mas tenho que agradecer àquele felino borralheiro que marcou tanto a minha vida, sendo um elemento essencial para dias mais amenos. Nikk?, meu gato da sorte!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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