Um pedaço do céu

Por Marisa Bueloni | 30/09/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Quando eu era menina e alguém usava esta expressão “um pedaço do céu”, eu entendia que era uma fatia do azul que eu via do quintal da nossa casa, aquela vastidão atmosférica sobre minha cabeça, a sensação de que a vida não acabaria nunca e eu ia crescer em estatura, sabedoria e graça.

O corpo cresceu e não cabe mais na saudade. Tenho de procurar outros rumos, para além de tudo que é corpóreo. Há tantas delícias sublimes nos rodeando! Quero pegar com a mão cada uma delas, mesmo aquele sentimento de finitude de todas as coisas e peço a Deus que não, que não deixe nada acabar! Nem mesmo o amor dos corações.

Enquanto houver amor num coração, enquanto houver alguém dizendo “isto aqui é um pedaço do céu”, penso que a vida ainda terá sentido, que é bonita, é bonita e é bonita, como cantou Gonzaguinha. Sim, ninguém quer a morte. Só saúde e sorte.

Sorte, para encontrar na terra um pedaço do céu. Não a fatia azul do espaço sobre nós, mas um recanto de sonho para recostar nosso corpo e nossa alma sempre juvenil. Estaremos a postos, nem é preciso pedir. De prontidão. Para ver a beleza passar, esteja ela onde estiver, talvez nas nossas retinas cansadas, buscando o invisível. A beleza nem sempre está na imagem à nossa frente. Ela pode ser apenas um sentimento, algo inesperado. Assim como quando descobrimos que estamos apaixonados. Ninguém precisa saber.

Um pedaço do céu é a nossa cama amada, nosso colchão densidade 28, de acordo com nosso peso, o cobre-leito com estampas de rosas lindas, lençóis clarinhos, de algodão, os travesseiros feitos de nuvens fofas. Nosso lugar de repouso. Nossa cama de casal, nossas toalhas de banho combinando com as pastilhas coloridas do banheiro. O xampu preferido, o creme de corpo que passamos na pele depois do banho, o perfume que fica no ar.

Um pedaço do céu é aquela praia que um dia visitamos pela primeira vez. Nunca tínhamos ido e resolvemos conhecer. A pousada simples, mas limpa e confortável. E o mar indizível à nossa espera. As manhãs de sol incendeiam nossa alma. Depois de presentear o corpo, deixando as ondas passarem sobre nossa gratidão, depois do banho de chuveiro maravilhoso, espera-nos o sono sem medos. E não é que o travesseiro também é bom? Pensamos quietinhos: “Isso aqui é um pedaço do céu!”.

Ah, como ansiamos pelo nosso “pedaço do céu”! Sonhava com a casinha de varanda à beira-mar, mas agora receio que, de fato, haja a tal falada invasão dos oceanos em alguns continentes. Quem mora no litoral está se mudando para lugares altos. Segundo profecias, o planalto central brasileiro é o lugar mais seguro do planeta. Brasil, terra da promessa.

Tenho uma promessa guardada dentro do peito. Eu a fiz para mim e ainda não a cumpri. Não sei se dará tempo. Talvez consiga cumpri-la, se encontrar meu “pedaço do céu” na terra, em algum lugar do passado ou do presente, identificando uma confirmação para um desejo secreto.

Um dia vos conto como imagino o meu “pedaço do céu”. Uma antevisão dele é onde existe uma mesa posta, tudo bem arrumado, e pessoas amorosas em volta dela, como num banquete de amor. Ágape de plenitude. O bem eterno em canto gregoriano. Um dia, esperamos pular do “pedaço” para o céu de verdade. Céu de paz.

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