Gente hipócrita

Por Rubinho Vitti | 31/08/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Mascarados com terços e velas nas mãos, ecoando “pai-nosso-que-estais-no-céu” misturado a gritos de “assassina”, “aborteira”, “pecadora”, entre tantas outras palavras de má fé para uma menina vítima de estupro.

A cena poderia ser de um filme medieval ou de uma série distópica sobre sociedades teocráticas, mas não, isso aconteceu no Brasil, em agosto de 2020, mais precisamente em Pernambuco.

Até este momento o leitor provavelmente já sabe a respeito deste caso. Uma garota capixaba de dez anos de idade engravidou do próprio tio após uma série de estupros que aconteciam desde que ela tinha seis anos. Pela lei, o aborto é legal neste caso e a garota foi levada a um hospital de seu Estado (ES) para realizar o procedimento, mas a curetagem lhe foi negada e ela precisou ir ao Recife, onde um médico se disponibilizou a fazer o procedimento.

Extremistas religiosos ficaram sabendo do caso e se reuniram na porta do hospital para atacar médico e menina, tudo “em nome de Deus”. Mesmo que uma criança de dez anos corra um risco grave de morte ao gerir um filho, na cabeça desses “seguidores de Deus” mais importa a vida do feto que ela carrega.

O criminoso seguia impune e com o nome velado enquanto uma dessas “terroristas de Cristo”, denominada Sara Winter, divulgou o nome da criança e do hospital onde ela faria o procedimento nas redes sociais, o que fez com que a confusão acontecesse.

A equipe médica precisou distrair os religiosos, muitos deles católicos e evangélicos, para que a criança, enfiada dentro de um porta-malas, entrasse no hospital.

Seguindo os procedimentos legais, a criança foi atendida e o procedimento realizado com sucesso. Mas a história segue repercutindo, principalmente entre deputados populistas charlatões e religiosos. Um desses é o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), um dos órgãos mais importantes da igreja católica.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte, disse em uma rede social que o aborto foi um “crime hediondo”, mesmo autorizado pela Justiça. Dom Walmor inflou o peito para falar sobre o caso, mas nunca disse uma palavra sobre um suposto crime cometido em seu Estado e por um integrante de sua igreja.

Dinamá Pereira de Resende é acusado de ter estuprado dezenas de crianças. Ele era “evangelizador” na cidade de Várzea da Palma, em Minas, e por três décadas “ensinou a palavra de Deus” a mais de 5.000 crianças. Muitas delas, ao longo dos anos, o denunciaram, em vão, como estuprador.

Segundo a ótima reportagem investigativa da Agência Pública, Dinamá utilizava da fé para conquistar famílias e abusar de suas crianças. E isso quem afirma é a polícia de Minas, que disse não ter dúvidas dos crimes cometidos por ele. Mesmo assim ele segue solto.

E a igreja? Em nota, a arquidiocese de Diamantina disse não ter nada a dizer “por absoluto desconhecimento sobre o assunto”. Dom Walmor? Nenhuma palavra. Ora, desconhecimento de um assunto que envolve um integrante da igreja, que usava templos para se esconder e praticar seus crimes debaixo de seus narizes santos?

A igreja não deveria se manifestar sobre o caso de uma garota inocente, vítima de estupro e que fez um procedimento legal. Não é de sua ossada. Não faz parte do seu clero. O Estado é laico e não deve satisfação a nenhuma instituição religiosa. Recolha-se na sua fé. Uma criança não merecia um trauma ainda maior causado por essa corja de falsos cristãos com seus interesses obscuros que nada tem a ver em fazer o bem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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