Em busca de liberdade – 2

Por André Sallum | 28/08/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Quando se fala em busca de liberdade, é inevitável que se pense na importância de cada um poder expressar a sua individualidade. No entanto, são tantas as formas de se desviar alguém da plena expressão e do florescimento dos próprios potenciais que torna-se difícil identificar e favorecer a manifestação mais genuína e pura de cada um.

Existem tantos mecanismos – sociais, econômicos, culturais, políticos, religiosos –, de se tolher a liberdade, que, antes de se poder manifestar o melhor de si, torna-se necessário um trabalho de reconhecimento e remoção desses obstáculos. Além dos fatores externos, trazemos, como herança evolutiva, um arcabouço psicológico construído ao longo da história, carregado de incontáveis influências, as quais interferem na percepção que temos de nós mesmos e na sua expressão.

Ocorre também que, quando dizemos ansiar pela liberdade de sermos nós mesmos e de fazermos o que bem entendermos, frequentemente queremos dizer que gostaríamos de dar livre vazão a desejos, impulsos desgovernados, preconceitos, caprichos egocêntricos, vícios – tudo isso que, sob um olhar mais atento, se revela como aparências, máscaras ou expressões distorcidas do nosso ser mais profundo. Além disso, costumamos nos identificar com os papéis que desempenhamos – na família, na profissão, na sociedade, na agremiação religiosa – a tal ponto que é difícil nos enxergarmos além desses papéis.

Temos dificuldade de reconhecer o quanto a nossa aparente liberdade é permeada por diferentes formas de cerceamento e de condicionamento. Quando, por exemplo, nas relações comerciais, cremos ter a liberdade de escolher algum produto ou serviço, essa escolha está grandemente condicionada por propagandas, influências sociais e modismos aos quais nos submetemos. E quando agimos por desejo, ambição, medo, ódio, será que estamos sendo plenamente livres, ou agimos segundo impulsos condicionados, sem plena consciência do que fazemos e das suas consequências?

Podemos chegar ao ponto de reconhecermos o quanto ignoramos a nós mesmos, além de percebermos que aquilo que somos muda a cada instante, já que a vida é um fluxo incessante e em permanente transformação. A partir dessa percepção torna-se possível libertarmo-nos, não apenas de condições externas, de imposições, condicionamentos e opressões vindas do exterior, mas, primeiramente, de nossos obstáculos internos, os quais bloqueiam, distorcem e sufocam a nossa natureza anímica e sua livre expressão.

Mediante um trabalho de mergulho interior, de aquietamento para auscultar e perceber realidades internas até então ignoradas, torna-se possível descobrir dimensões de si mesmo que estão muito além das aparências, da personalidade e dos fenômenos exteriores. Esses níveis, que podem ser chamados de espirituais, mostram-se a todos os que realizam essa jornada, revelando aspectos cada vez mais profundos, ricos e sutis de si mesmo.

A liberdade certamente se apresenta em diversos níveis e em diferentes dimensões. Por isso é possível estar com a consciência livre e em paz, mesmo estando numa prisão, ao passo que pode-se ser prisioneiro de terríveis conflitos íntimos, de culpas, remorsos e sombras, desfilando perante a sociedade em aparente liberdade. A conquista de liberdade, nesse sentido, é um processo de emancipação interior, a partir do qual criam-se condições para que a vida flua, floresça e frutifique mais abundantemente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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