Atitudes diante do sofrimento – 3

Por André Sallum | 03/07/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Se frequentemente temos dificuldade de compreender nossos próprios sofrimentos e de resolvê-los, que dizer das nossas atitudes ante as dores, dificuldades e problemas alheios?

Quando tomamos conhecimento ou percebemos alguma forma de sofrimento de outrem, às vezes temos a tendência não saudável nem benevolente de julgar sua vida e de comentar acerca dos seus padecimentos, chegando a ressaltar a responsabilidade de tal pessoa pelo seu sofrer. Essa tendência reflete nosso egocentrismo e insensibilidade face às dificuldades dos outros, visto que somos tentados a censurá-los por seus supostos erros e problemas com a mesma facilidade e na mesma medida com que justificamos os nossos. Isso nos faz considerar nossas dores como maiores ou mais importantes do que as dos outros, a julgarmos fatos, circunstâncias ou relações a partir do nosso centro egoico, mípe e ignorante. É sempre fácil avaliar, julgar, aconselhar ou mesmo recriminar quem se nos mostra em dificuldades, mas quando essas mesmas situações nos afligem, sentimos um significado diferente, e costumamos dar muito maior importância ao sofrer.

Com frequência somos tomados de espanto frente aos dissabores que nos assaltam, nos tornamos inconformados ante insucessos pessoais, nos rebelamos em virtude de dores físicas ou emocionais, revelando fragilidades e desequilíbrios psíquicos, e mesmo assim nos arvoramos a juízes e críticos dos problemas dos outros. O fato é que nunca temos suficiente conhecimento e menos ainda sabedoria para avaliar o sofrimento de outrem, suas causas, complicações, significados e desdobramentos.

Ao longo do processo de amadurecimento consciencial, graças ao qual se desenvolve certo grau de compreensão e compaixão, naturalmente diminui a tendência a julgamentos e críticas em relação ao sofrimento alheio, e, sobretudo, passa-se a respeitar a vida alheia, sua história, suas escolhas, seus caminhos ou descaminhos, enfim, as limitações de cada um e seu modo de vida, trajetória e peculiaridades. Essa visão mais ampla e inclusiva permite que se aceitem as diferenças individuais, inclusive com relação ao sofrer, não no sentido passivo nem conformista, mas, ao contrário, possibilitando que se descubram formas mais efetivas de se ajudar a partir de uma percepção mais ampla e lúcida.

Uma postura inclusiva, compassiva e respeitosa frente às dores do próximo mostra-se um desafio para todos e requer um contínuo e perseverante processo de autoconhecimento e autotransformação, a fim de que não agravemos as dificuldades alheias com a carga de nossos julgamentos e críticas nem compliquemos seus caminhos introduzindo neles nossos próprios preconceitos, condicionamentos e conflitos.

Quando se sai, ainda que parcialmente, da posição de censor e se abre espaço para que outras dimensões do ser – mais sábias e amorosas – se manifestem, essa atitude permite ver e ouvir o outro mais clara e profundamente e, portanto, expressar o lado mais luminoso das relações, permeado de compaixão e prontidão a servir e auxiliar. Talvez a partir dessa atitude se possa perceber a dimensão da dor alheia e respeitar profundamente seu conteúdo e significado, permitindo que se preste auxílio verdadeiro, sem o desejo de interferir arbitrariamente na vida do próximo nem de impor soluções pretensamente melhores, ao perceber que os sofrimentos são complexos e desafiadores para todos, e que cada um os resolve no momento que consegue e do modo que julga ser o melhor.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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