Atitudes diante do sofrimento - 2

Por André Sallum | 26/06/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Ainda que o sofrimento seja de caráter universal e esteja presente na vida de todos, existem tantas formas de encará-lo e de lhe conferir significados quantos são os seres humanos. É possível, em virtude dos complexos mecanismos psicológicos, que se expressem as mais diferentes atitudes em relação ao sofrer. O sadismo, por exemplo, consiste em sentir satisfação ao infligir sofrimento ou dor a outro ser. O masoquismo, por outro lado, é o prazer que se sente ao ser submetido ao sofrimento, humilhação ou dor. Além desses aspectos patológicos, existem outros, menos evidentes, no modo de encarar e utilizar a dor, como, por exemplo, a vitimização de si mesmo, em que a pessoa culpa os outros pelos seus males, se aproveita do sofrimento e até o prolonga, até certo ponto inconscientemente, a fim de obter todos os ganhos secundários de se tornar objeto de atenção, cuidado e compaixão alheia. A atitude de mártir ou herói diante de supostos padecimentos pode ser outra forma de se alimentar o ego, a vaidade e o orgulho, enquanto não se enfrentam nem se resolvem os problemas psicológicos e existenciais. Igualmente perniciosa é a passividade inerte, às vezes disfarçada de resignação e humildade, na qual o indivíduo se acomoda e graças à qual não faz os esforços ao seu alcance para mudar e se libertar.

Diversas outras atitudes são possíveis diante do sofrimento, como, por exemplo, a revolta, a qual, além de inútil, somente complica qualquer condição, assim como as fugas, por meio das quais se tenta, em vão, escapar dos infortúnios. Quaisquer que sejam os mecanismos escapistas, como vícios, compulsões ou outros, esses só encobrem momentaneamente a realidade dolorosa que não se deseja enfrentar, produzindo novos problemas e agravando a situação.

Uma concepção evolutiva e espiritualista permite considerar o sofrimento com uma função que, em última instância, é benéfica, pois faz com que o indivíduo, pelo incômodo que a dor provoca, reconheça que se encontra em desarmonia e mude de atitude e de conduta, até que sua mudança promova a eliminação do sofrer. O sofrimento, sob essa visão, não é uma finalidade em si, mas uma necessária ferramenta corretiva, ao menos no nível em que nos encontramos, até que nos purifiquemos e nos harmonizemos com as leis naturais. A dor, portanto, é um mecanismo transitório, tanto mais presente e intenso quanto sejam as desarmonias e os desvios dos seres em relação à ordem universal. Essa concepção traz uma perspectiva positiva e libertadora, ao tornar-se convite e estímulo à transformação, com vistas a uma vida menos penosa e mais feliz. Longe de qualquer conformismo, traz a possibilidade sempre presente de se buscar todos os meios disponíveis para erradicar as possíveis causas do sofrer.

No decorrer desse processo, pode-se perceber quais as transformações que o sofrimento suscita, quais vícios, apegos e desvios devem ser corrigidos ou eliminados, quais potenciais anímicos podem desabrochar e florescer, quais virtudes podem ser exercitadas, enfim, que lições devem ser aprendidas.

Embora estejamos, ao que tudo indica, distantes de uma condição isenta do sofrer, existem possibilidades ao alcance de todos no sentido de um viver longe de dores perfeitamente evitáveis, seja pela tomada de decisões corretas bem como do reconhecimento e da entrega cada vez maior ao fluxo criativo e curativo da vida, sempre presente, benéfico e soberano.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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