Acerca do mandamento “não matarás”

Por André Sallum | 05/06/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Na época atual, turbulenta e conflituosa, o mandamento “não matarás”, conhecido desde o decálogo apresentado por Moisés, infelizmente continua desprezado e descumprido por significativa parcela da humanidade. Além do ato de matar o corpo, há muitas outras formas, mais sutis, de se atentar contra a integridade da vida: a maledicência, que arruína a reputação de alguém; o ódio, que envenena as relações; a crítica sistemática, que destrói o entusiasmo alheio; a corrupção, que pelo desvio de recursos causa sofrimento e morte de incontáveis seres; o materialismo, que enfraquece a fé.

Sob uma perspectiva psicológica, tudo o que é contrário a um sentido vital, criativo e emancipador, assim como qualquer tipo de relacionamento abusivo, pode ser considerado reflexo e expressão de um impulso destrutivo. Isso ocorre quando se impõe a outrem qualquer forma de sofrimento, subjugação, domínio, agressão ou ameaça, que lhe causem o enfraquecimento dos ideais, da vitalidade e da alegria de viver.

Alcançando o âmbito social da questão, pode-se considerar destrutiva e infeliz a sociedade que mata a esperança e compromete o futuro das crianças ao negar-lhes o direito à educação, à proteção física e psicológica e à inocência.

Digno de nota foi o apelo do papa Francisco, referindo-se ao quinto mandamento, quando pediu a abolição da pena de morte em todos os países, classificando-a como inadmissível. A pena capital significa a institucionalização e oficialização do homicídio, seja sob qual for a justificativa, e a sua extinção marcará um passo importante na erradicação da crueldade humana. As guerras e quaisquer outras formas de violência também entram nesse contexto, pois, sob pretextos políticos, econômicos, religiosos e outros, que mascaram o egoísmo e a ignorância, se destroem incontáveis vidas e as mais caras conquistas da civilização, refletindo a brutalidade e o primitivismo que ainda imperam na Terra.

No mesmo sentido, todas as religiões e movimentos espiritualistas que promovem campanhas em defesa da vida e contra a prática do aborto intencional são esforços de conscientização da humanidade sobre o valor da vida humana em qualquer fase de desenvolvimento e uma das elevadas expressões de obediência ao mandamento supracitado.

Diversas religiões e filosofias espiritualistas, algumas delas orientais, consideram sagrada toda expressão de vida, motivo pelo qual recomendam não matar nem causar danos a qualquer ser vivo. Essa perspectiva expandida nos convida a uma reflexão sobre a sacralidade da vida e consequentemente nosso papel como cooperadores conscientes da Criação, considerando os seres dos demais reinos como nossos irmãos, à semelhança de Francisco de Assis, que estabelecia uma relação genuinamente fraterna com todas as criaturas. Um despertar dessa consciência favorece a libertação de tendências destrutivas em relação aos demais seres, podendo atingir o ponto de mudar os hábitos alimentares, ao se evitar o sofrimento e o massacre de animais.

O mandamento “não matarás” envolve muitas nuanças e sutilezas na sua compreensão bem como na sua vivência. Obviamente estamos longe de perceber o alcance desse mandamento e principalmente de segui-lo em todas as suas dimensões, o que evidencia o quanto ainda precisaremos nos sensibilizar até que sejamos incapazes de causar dano intencional a quaisquer seres, reconhecendo-os como manifestações sagradas da vida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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