O que você dirá aos seus netos?

Por Rubinho Vitti | 28/05/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Proponho um jogo. O ano é 2050! Dependendo da idade que você tem hoje, daqui a 30 anos talvez tenha filhos, netos, sobrinhos ou qualquer ser humaninho mais jovem ao seu redor que pode lhe perguntar: “como foi a vida durante a pandemia do Covid-19?”

“Oh tio Rubinho, eu li na escola que em 2020 teve uma baita doença horrorosa e todo mundo teve que ficar trancado em casa para não contaminar as pessoas, é verdade? Como é que foi, hein?”, pergunta o moleque antes de tirar uma big meleca do nariz.

Eu respiro fundo, tentando lembrar com detalhes qual foi a minha trajetória durante aqueles tempos de trevas, máscaras e álcool em gel.

O que eu vou possuir de lembrança nos neurônios ainda não apagados dependerá de como eu reagi desde que a doença se tornou um caos planeta afora.

Poderei encher o peito para dizer que fui espertinho e de vez em quando dava uma escapada da quarentena para ir na festinha secreta que aquele coleguinha tava fazendo. Ou então, direi o quanto fiquei com saudades dos meus amigos que só via pela tela do celular, mas quando nos reencontramos, depois de várias semanas, e pudemos nos abraçar, a emoção foi tanta que ninguém segurou o choro e a amizade se fortaleceu mais do que nunca.

Será que vou relatar para aquela pobre criança que meu vazio existencial me fez fazer compras impulsivas via internet porque só assim me sentia vivo? Ou poderei contar sobre a experiência de reavaliar minhas necessidades materiais, pensando que eu não preciso comprar tantas coisas assim e o que tenho pode ser mais do que suficiente para viver?

E se ele me perguntar o que eu fiz tanto tempo trancado em casa? Me formei em um curso on-line? Aprendi outra língua? Cozinhei? Fiz yoga até minha meu queixo encostar no meu cóccix?

Ou lembrarei que fiquei julgando a vida alheia no Instagram, postando selfie com máscara de gatinho entrei em um looping sem fim tentando entender a mega fofoca entre a Anitta e o Léo Dias?

Vou dizer que fiquei sem cortar o cabelo, que ficou grandão e desproporcional? Ou que tentei eu mesmo cortar em casa para depois morrer de rir olhando pro espelho com aquela franja toda torta?

Posso ter caído em tentação e acreditado que um cabeleireiro era sim serviço essencial, e ter pago uns trocados a mais só para que ele furasse a quarentena para meu ego ficar satisfeito.

Segui as recomendações da Organização Mundial da Saúde ou fiquei contestando o funcionamento do isolamento social? Disparei notícias duvidosas sem checar a fonte ou busquei veículos sérios e a ciência para ter a dimensão real dos acontecimentos?

Poderei dizer que não apoiei as atitudes de um governo descontrolado, que não teve nenhum plano eficaz para conter a doença no meu país, transformando a questão em uma guerra política e de interesses escusos, fazendo com que milhares de pessoas perdessem suas vidas? Ou… Bom, isso não tem nem ou, não… pois não há possibilidade alguma de eu dizer o contrário. Ufa…

Existem tantas posibilidades, não é mesmo? Mas sabe o joguinho proposto no início deste artigo? Esqueça o neto, o bisneto ou qualquer criança. Pense em você! Afinal, o que dirá a você mesmo no futuro de 2050?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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