MC Política

Por Rubinho Vitti | 15/05/2020 | Tempo de leitura: 4 min

Há 25 anos, um funk tomou conta do país, mas nomeado com outro ritmo. O Rap da Felicidade diz: “Eu só quero é ser feliz / Andar tranquilamente na favela onde eu nasci / É! / E poder me orgulhar / E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”.

A composição dos MCs Cidinho e Doca escancarou a desigualdade social, transformando-se em um grito de guerra. Tirando nomes como MC Carol, que canta feminismo e a violência nas favelas, hoje em dia, a fama do funk não é exatamente falar de política.

Mas o grande nome do funk (e agora da música pop nacional) é Anitta. Talvez não há um brasileiro que não saiba quem é essa moça de 27 anos. Sua música não tem nada de política, pelo menos literalmente. Já sua biografia, sim.

Nascida e criada em Honório Gurgel, subúrbio do Rio de Janeiro, ela conseguiu lutar contra o preconceito e, com talento e perspicácia, chegou ao topo da fama, sendo hoje a cantora mais famosa do Brasil e reconhecida para além dos oceanos.

O lado político de sua história acaba por aí. Anitta nunca foi uma referência de artista que mete o dedo na ferida. Mas agora ela pode estar se tornando um exemplo de como uma pessoa pode abrir a mente para assuntos que não lhe interessavam ou que desconhecia.

O problema real foi em 2018. Durante as eleições do Brasil, Anitta ficou caladinha e foi muito pressionada por opinar sobre os candidatos ao cargo de presidente, principalmente quando Bolsonaro começou a ganhar maior espaço e chegou ao segundo turno.

Na época, ela acabou apenas resumindo que nunca apoiaria alguém misógino e homofóbico, mas sem citar nomes, o que deixou parte de seu público revoltada.

Finalmente, Anitta resolveu falar. Ela tem feito lives e incomodado, não só quem é da política, mas também quem não gosta dela e até quem gosta, seja de esquerda ou de direita.

Com quase 50 milhões de pessoas em seu Instagram, Anitta tem um espaço enorme de fala e que sempre repercute nos jornais e redes sociais, atingindo ainda mais gente.

Prova total de seu poder foi quando conversou com o deputado Felipe Carreras, autor de uma MP (Medida Provisória) que visava isentar o pagamento de direitos autorais em ambientes de entretenimento (como hotéis ou eventos). A conversa direta e franca acabou fazendo com que ele desistisse da medida.

A cantora também conversou sobre política com a amiga, advogada e comentarista da CNN, Gabriela Prioli, também pelo Instagram. Leiga no assunto, Anitta faz várias perguntas ingênuas, mas que refletem a falta de conhecimento não só dela, mas da população.

Uma delas foi se os ministérios do governo faziam parte do Poder Judiciário, o que causou um alvoroço na internet, com ela sendo chamada de ignorante, burra, entre outros termos pejorativos.

A resposta de Anitta foi impecável. “Estou cagando para essas pessoas que criticam, estou fazendo o que acho importante. E nada melhor do que eu mostrar que também não entendo. Zombar de quem não sabe faz com que as pessoas se escondam, não queiram aprender.”

Você já viu política ser ensinada nas escolas? Eu estudei em escola particular e não lembro de ter aprendido didaticamente quais os papéis dos três poderes ou simplesmente o que um vereador, deputado, senador e prefeito fazem de fato para transformar a vida das pessoas.

Acredito que a maior parte dos eleitores também não aprendeu e é ignorada por quem sabe tudo. Existem famílias que, muitas vezes, têm no pastor da igreja o único que lhe informa sobre o que está acontecendo no mundo. E tal conhecimento acaba sendo direcionado a algo perigosíssimo para o país e para a democracia, além das inúmeras informações falsas espalhadas diariamente. E a gente sabe no que isso deu.

Quando Anitta pergunta se os ministérios são do Judiciário, muita gente do seu público também estava se perguntando isso, um público heterogêneo, de todas as classes sociais.

Confesso que engrossei o coro dos descontentes com o silêncio da Anitta. Ela se interessou tarde demais pela política. Mas o seu falar agora é motivo para minha simpatia.

Anitta pode sim fazer diferença. Enquanto muitos artistas falam só para um público restrito, que apenas acenam e concordam, ela agrega gente que não está na turminha dos engajadinhos políticos e que sempre se sentiu excluída por eles.

E se todos fossem que nem Anitta, quem sabe teríamos “lives” conscientes dos astros do sertanejo, que pregariam o fim dos rodeios? Imagine os caras respeitando as meninas durante as baladas da vida porque o ídolo Gusttavo Lima começou a conversar com seu público sobre feminismo? Ou ainda, um baile funk onde se balança a raba até o chão, gritando “Fora Bolsonaro”.

A política sempre deveria estar onde o povo está, inclusive na hora do entretenimento.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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