A culpa pelo ócio

Por Rubinho Vitti | 08/04/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Em tempos de quarentena, o que não faltam são as opções para se fazer em casa quando não há mais nada a se fazer. Transbordam em nossas timelines opções de cursos online gratuitos, e-books de graça, aulas no YouTube, dicas para se manter saudável, manuais da yoga, cartilhas de exercícios físicos, listas de filmes, compilado das melhores séries, etc, etc, etcetera. Mas no fundo, o que vemos é muita gente perdida em tanto tudo para se fazer no meio do nada. E daí vem a culpa!

Dá invejinha de quem consegue acordar todos os dias no mesmo horário, seguir uma dieta bacana, fazer exercícios de forma regular em posições corretíssimas, aquela sessão de meditação e yoga no gramado, depois segue uma agenda cheia de cursos, estudos, leituras… e ainda tem tempo de acompanhar a série favorita, ver um filme com um bom roteiro para ser comentado online e ainda sobra tempo de fazer a fotinho marota no Instagram antes de deitar e dormir um sono dos deuses de seis a sete horinhas, acordar cedo e começar um novo dia refrescante.

A realidade de muita gente, e minha também, é bem mais disléxica. A gente tenta, mas está difícil de administrar a quarentena. Uma longa lista de cursos online estão há dez dias na fila para começar. Livros de inglês estão empilhados no armário, prontos para serem revistos.

Exercícios físicos estão rolando, mas os professores do YouTube parecem bem mais animados e disciplinados do que eu. Contra toda a produção possível para se fazer a quarentena, existe o funil da internet. Como fugir das redes sociais, das dezenas de lives e dos memes?

No meio de tudo isso vem a ansiedade. O que será de mim depois disso? Por que eu não consigo ser mais produtivo? O que estou fazendo para ajudar as pessoas nessa pandemia mundial? O que é que eu estou fazendo da minha vida? Por que não estou junto com meus pais, com minha família? Quando vou poder vê-los novamente?

Com a ansiedade vem a sensação de claustrofobia, com esse medo de ficar trancado os pensamentos ficam densos no travesseiro. Com isso, vem a insônia, com a insônia vem um sono profundo de manhã. O relógio desperta às 7h, 8h, 9h, mas acordar é lá pelas 11h, depois de 9 ou 10 horas de uma noite mal dormida.

Tenho lido por aí que se sentir um fracassado na quarentena é normal. Viver em uma sociedade que te valoriza pela produção, pelo o que você rende, pelo quanto você consegue lucrar, quanto custa o que você faz… é viver em uma constante cobrança para que só assim você se sinta valorizado.

Não estou fazendo aqui uma apologia ao ócio durante esse período, eu mesmo quero dar um pontapé naquele livro não terminado, começar o curso online, rever a gramática de inglês, mas também quero ter vários nadas para fazer sem me sentir tão culpado. Acho que o equilíbrio é esse. Transformar o “ficar em casa” em um momento de prazer e produtividade, sem ser metralhado por essa cobrança inútil que só faz nos puxar para baixo nessa ladeira ansiosa.

Veja bem, que esse texto não seja uma tentativa ridícula de ser dica para nada, nem um diário da pandemia, nem uma miserável forma de autoajuda. É um desabafo de um privilegiado que está em quarentena embaixo de um teto aquecido, com a saúde ótima e a geladeira cheia, mas ainda assim reclama. É, tem mais essa culpa.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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