Ai, que vergonha!

Por Rubinho Vitti | 20/03/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Eu tenho um problema. Sempre quando estou em uma situação de vexame, seja os que eu mesmo passo quase todos os dias ou quando vejo cenas que me causam vergonha, eu suo muito.

Era um domingo como todos os outros. Acordei, fiz meu café da manhã e, bem burguesinho, sentei na frente do computador para ler as notícias enquanto praticava meu desjejum informativo. Foi quando um talo de pão ficou entalado na garganta, o café esparramou pela mesa e eu, quase sufocando, me vi ensopado por uma sudorese instantânea e um misto de calor e frio.
É que eu estava acompanhando fotos, vídeos e relatos sobre a manifestação/protesto/babação de ovo de uma minúscula fatia da população brasileira a favor do seu presidente, Jair Messias Bolsonaro. Mais uma vez uma turma de piracicabanos fez um montinho verde-amarelo na praça José Bonifácio para relatar seu amor ao indivíduo que ocupa a cadeira da presidência.

Com a transmissão do novo coronavírus crescendo no Brasil, contrariando os apelos do próprio ministro da Saúde do governo e do próprio presidente -- que depois de muitas críticas ao incitar o movimento, acabou pedindo para que as manifestações fossem adiadas -- os manifestantes foram às ruas com a hashtag #desculpaJairmasEuVim. E assim cai mais uma gota de suor.

Eu acompanhei tudo por meio de um veículo de comunicação piracicabano que, irresponsavelmente, tratou aquilo tudo como uma festa, ressaltando que o ato reunia “os piracicabanos nas ruas de Piracicaba em manifestação pró-governo federal”. Note que “os piracicabanos” seriam, no caso generalizado do termo, a população como um todo, mesmo sabendo que aquele montinho presente não equivale a 1% do total de moradores da cidade.

E daí tinha foto de uma senhora segurando uma placa pedindo a prisão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Uma outra dizendo “Parlamentarismo não!” (oi?). Tinha um trio de socialites com seus sorrisos brancos afirmando que aquilo era “por um Brasil melhor”. Tudo sem argumento, sem ideias, apenas paetês, trajes verde-amarelos customizados e palavras de ordem contra os “esquerdopatas”.

O tal veículo ainda expôs crianças que, segundo o texto, “também decidiram se manifestar em favor do governo federal”, sem que as pobres criaturas saibam o que significa “governo federal”. Que tragédia!

Por curiosidade, entrei no canal do movimento que organizou o tal ato e minha sudorese aumentou em graus que vergonha alheia alguma ainda tinha causado até então. Ali, eles dizem: “nos orgulhomos (sic) de sermos Patriotas, de sermos conservadores, de sermos religiosos e de respeitarmos e protegermos as famílias tradicionais, somos o Movimento Direita Piracicaba (Deus, Pátria e Família)”, para, em outro momento, pasmem, citar Nelson Rodrigues: “Sou reacionário. Minha reação é contra tudo o que não presta”.

Sim, Nelson Rodrigues, o autor de peças teatrais censuradas na ditadura pelo conteúdo erótico e que já disse uma vez: “Não existe família sem adúltera”.

Os dias passam e sigo suando. Suo quando Bolsonaro diz que o governo está controlando o coronavírus quando não sabe nem como utilizar uma máscara protetora. Ou quando ele minimiza o surto e diz que é uma histeria. Suo quando seus filhos confirmam informações para a imprensa para depois desconfirmar, como forma de tentar desmoralizá-la. Mas suar mesmo eu suo quando vejo gente que defenda esse governo, que é indefensável. Talvez eu sue mesmo que é para não chorar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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