A arte de ouvir

Por André Sallum | 13/03/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Apesar da pressa e correria da atualidade, quando alguém solicita atenção para que possa falar sobre seus problemas a maioria de nós se prontifica a ouvi-lo. Mesmo que de boa vontade cedamos tempo ao interlocutor, parece-nos importante saber que quase sempre acionamos, sem o perceber, mecanismos internos que atrapalham uma escuta plena: entre nós e quem fala interpomos preconceitos, opiniões, julgamentos, críticas, comparações, o que obviamente impede que verdadeiramente escutemos. Diante do que nos é dito, ainda quando permanecemos em silêncio (o que é raro), internamente alimentamos a tagarelice mental que atrapalha, obstrui e contamina o ato de ouvir.

Parece que estamos mais interessados em falar do que em ouvir, sempre prontos a dar respostas, fazendo questão que nossa opinião seja ouvida, num desejo narcisista de nos intrometermos nos assuntos dos outros. Essa presunção, atualmente, com as redes sociais, parece não ter limites, pois se chega a opinar, ainda que de modo leviano, superficial e inconsequente, sobre quaisquer assuntos ou pessoas.

Segundo uma perspectiva mais abrangente, aquele que busca ir além das limitações da personalidade ou ego e consegue acessar níveis mais profundos do próprio ser (que muitos chamam de alma, espírito, eu divino – o nome pouco importa), passa a portar-se, diante de quem lhe fala, com atitude completamente diferente da habitual. Mesmo que essa conexão não seja tão profunda nem estável (pela interferência e instabilidade próprias da mente), por pouco que consiga alcançá-la pode notar uma mudança na qualidade do ouvir, o que possibilita outro nível de comunicação, incomparavelmente mais significativo e transformador. Nesse estado de comunhão, ao acessar a própria essência, igualmente percebe algo mais profundo na pessoa que lhe fala, o que favorece processos harmonizadores e curativos.

Por estarmos condicionados a permanecer na superficialidade do ser e das relações, ainda temos dificuldade de realizar uma escuta profunda, mas nada impede que, ao reconhecermos tal fato, façamos exercícios a fim de aguçarmos a percepção para realidades mais significativas de nós mesmos e da vida, com reflexos na nossa forma de nos relacionar e de ouvir.

Escutar ainda é um desafio, pois geralmente nos encontramos tão presos ao egocentrismo, tão saturados de conteúdos mentais e emocionais perturbadores, de conflitos, preconceitos e condicionamentos que raramente estamos em equilíbrio e silêncio interno suficientes para que a escuta seja plena.

O ato de ouvir com atenção, interesse, respeito e compreensão pode se converter em valioso instrumento de cura, e tal qualidade do escutar é muito mais importante do que simplesmente dar apressadas opiniões pessoais ou palpites, quase sempre superficiais e supérfluos. Nossos pontos de vista podem servir, às vezes, para nós mesmos, mas nem sempre para a vida alheia. Sabemos tão pouco e tão superficialmente sobre a condição dos outros, sobre as causas profundas dos seus problemas e sobre a complexidade do que nos apresentam que seria absurda pretensão e até ingenuidade achar que temos respostas prontas para os desafios que enfrentam com tanta dificuldade.

Parece evidente que o desenvolvimento da capacidade de escuta, a qual signifique uma presença atenta, respeitosa e compassiva constitui importante passo na melhora da comunicação humana e valiosa ferramenta de auxílio ao próximo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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