A vida guarda para nós algo de surpreendente. Ouvimos que quando se fecha uma porta, Deus abre outras duas. E nosso coração se refaz das tristezas, das ocorrências sombrias, das doenças, lutos e perdas. O sofrimento sempre existirá. Sabemos que a felicidade completa não existe; existem momentos felizes. E que o mal também um dia acaba, não dura para sempre.
Nosso entendimento absorve estes enunciados, convencido de que assim será. E a realidade nos prova que alguns ditos e aforismos estão cobertos de razão. Minha mãe costumava repetir que “em boca fechada não entra mosquito”. Aquilo me inquietava profundamente. “Mas, então a gente não pode falar nada?”. Sim, pode, mas “vê lá o que você vai falar!”.
Então, pensamos a vida de uma forma colorida, se possível no tom azul ou róseo, feita de laços de organdi, vestidos de baile e de festa, um príncipe sobre um cavalo branco que, num gesto absurdamente romântico, viria nos convidar para uma cavalgada na pradaria encantadora.
Mas o príncipe também não é garantia de felicidade eterna, e nem todos foram felizes para sempre, incluindo o próprio monarca, porque nos abismos dos corações nem tudo guarda a solidez da primeira vez, do primeiro encontro, das promessas que seriam eternas. Príncipe e princesa nem sempre acabam juntos no trote solene da vida.
Nossas posses não são nossas, e um dia vamos deixá-las para trás. Há um texto realisticamente funéreo sobre a morte, circulando por aí, anunciando que, de repente, vamos embora, a roupa ficará no varal e a comida na geladeira. Nossos pertences, e até coisas que sequer emprestávamos, serão doados ou simplesmente jogados fora. Os viúvos se casarão de novo, irão ao cinema, andarão de mãos dadas, farão sexo, e nós seremos apenas um retrato na parede.
Mas o coração é um abismo e quem partiu pode não ser apenas a imagem em sépia que restou. Há tal significado na vida que nem a morte consegue apagar ou superar. O retrato está ali e diz algo ao nosso coração. Lembra de algo que tem o gosto da felicidade, da ventura, da segurança e do amor.
Haverá bênção maior do que ter um coração puro e cheio de bondade?
Haverá oração mais bela que esta: “Vinde, Senhor, em meu socorro”?
Haverá luta mais fascinante que a do espírito contra a carne? Vaidade, soberba, orgulho, falta de caridade – vemos estas atitudes em toda parte. Pessoas que não respeitam o próximo, não colaboram para com a comunidade, não se interessam pela melhoria das condições de vida dos outros.
Ó, abismo dos corações! Que funduras apresentas? Que mergulho é preciso dar para chegar próximo de um coração fechado e duro? Por que alguns são feitos de pedra, de ódio e de vingança? Que mundo diferente teríamos, se os abismos dos corações guardassem a temperança, a compreensão e a solidariedade!
Nos dias de hoje, encontramos poucos gestos de bondade e de afeto verdadeiro. Apesar desta escassez de gentileza e delicadeza, tentamos imprimir às nossas atitudes a beleza que falta ao mundo. Lutamos por preencher esta sombria lacuna da falta de amor.
De minha parte, luto aqui, nesta trincheira das palavras. Quero escrever algo que tenha significado e que toque o abismo dos corações!…