Relacionamentos e convivência (3)

Por André Sallum | 06/03/2020 | Tempo de leitura: 2 min

A dificuldade humana de conviver de modo saudável é demonstrada de modo veemente pela realidade do cotidiano, tanto quanto é revelada e compartilhada pelos meios de comunicação.

Comenta-se diariamente sobre episódios de desrespeito, intolerância e agressão que atingem as mais diferentes parcelas da população: mulheres, negros, indígenas, homossexuais, imigrantes, deficientes, idosos, refugiados... a lista parece infindável.

Diante de tal quadro, cabe considerarmos que a qualidade de qualquer convívio obviamente é reflexo e expressão do estado de consciência das pessoas nele envolvidas, dos seus valores, crenças e condicionamentos. Parece-nos importante perceber que quando aceitamos e incorporamos ideias e conceitos exclusivistas, excludentes ou extremistas, quando nos identificamos com eles, nos apegando aos mesmos, tendemos a considerar aqueles que se mostrem diferentes e tenham outra perspectiva de vida como sendo opositores, inimigos ou adversários, o que inevitavelmente promove conflito e sofrimento. Esse comportamento, reflexo do primitivismo ainda presente em nós e de condicionamentos aceitos e incorporados à nossa conduta, dentre outros fatores, carrega perigoso conteúdo destrutivo, embora o camuflemos temporariamente com o verniz e as convenções sociais.

Podemos expressar preconceitos, intolerância, exclusão e agressão sob muitas formas, ostensivas ou veladas, direta ou indiretamente, e incontáveis são os indivíduos e grupos atingidos pela nossa incapacidade de lhes permitir uma vida plena de dignidade e liberdade. Pela nossa estreiteza de ver, sentir e considerar a vida, podemos julgar pessoas ou grupos como ameaças ou considerá-los inconvenientes ao porém em xeque nossas crenças ou modo de ser. Não importa quais sejam os alvos de nossa crítica ou violência, pois parece que somente desejamos despejar e aliviar nossa carga de agressividade seja sobre quem for. O pior é que procuramos justificar nossa conduta com os mais falaciosos argumentos, sejam culturais, sociais, políticos ou religiosos. Enquanto não nos livrarmos da pesada carga que temos acumulado ao longo da história, conquistando um novo modo de nos relacionarmos, mais verdadeiro, íntegro e pleno, qualquer situação ou circunstância externa pode servir de pretexto para expressarmos nossa agressividade.

Parece importante percebermos que quando nos relacionamos, sempre o fazemos com quem é diferente de nós em múltiplos aspectos, e somente conseguiremos conviver em harmonia se formos capazes de considerar tais diferenças como inerentes a todos os seres. Essa visão inclusiva e abrangente permite que se aceitem as diferenças, sejam quais forem, como aspectos da diversidade e da riqueza da vida.

De certo modo, relacionar-se é revelar-se, é mostrar-se, pois ao se relacionar cada um revela quem é e o que possui no seu interior. Sob essa perspectiva, as relações constituem excelente material didático sobre nós mesmos, ao nos mostrarem questões que, sozinhos, poderíamos não manifestar ou não reconhecer, ao mesmo tempo que evidenciam aspectos obscuros de nós mesmos que precisam ser compreendidos, integrados e iluminados.

Ao se considerar as inúmeras dimensões da saúde, certamente a qualidade dos relacionamentos deve ser relevante, pois relações saudáveis e harmoniosas constituem expressão fiel do estado interior e são parte essencial e indissociável de uma boa qualidade de vida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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