A política irlandesa

Por Rubinho Vitti | 28/02/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Recentemente, as eleições parlamentares na Irlanda deixaram o país dividido. Não em dois, mas basicamente em três. Dos 160 deputados, 38 eleitos são do partido Fianna Fáil e 35 do Fine Gael, ambos liberais de centro-direita e que estão no poder há décadas. A disputa, no entanto, ganhou uma nova cara. Isso porque o partido de esquerda Sinn Féin ganhou 37 cadeiras no Parlamento, ficando tecnicamente empatado com os tradicionais rivais do poderio irlandês.

Tanto o FF como o FG têm feito uma dança das cadeiras desde 1937, elegendo seus líderes como primeiros-ministros, que na Irlanda tem o curioso nome em gaélico de Taoiseach (líder do governo). Se um falhava, a população escolhia o outro. Foi assim que aconteceu quando entre 2008 e 2011 a Irlanda era governada pelo Fianna Fáil e viveu uma crise econômica gravíssima. O Fine Gael venceu a eleição seguinte e retomou o curso econômico.

Apesar de o país voltar a crescer e ter uma economia forte, como quase todo partido liberal de centro-direita, o FG foi deixando de lado assuntos que mexem com a vida das pessoas. Três deles são cada vez mais insustentáveis: crise de acomodação, altas taxas e saúde.

Com valores de aluguéis cada vez mais caros e preços de casa inviáveis, muitas famílias irlandesas não tiveram outra opção a não ser se tornarem “homeless” (sem-teto). São cerca de 10 mil desabrigados na ilha que tem menos de 5 milhões de habitantes. E não é por falta de trabalho. Afinal, a Irlanda tem apenas 4,8% de desempregados. Ou seja, muitas pessoas têm emprego, mas mesmo assim não conseguem pagar para viver embaixo de um teto só seu.

Na questão da saúde, apesar de públicos os hospitais irlandeses são pagos. Coisa de países liberais (beijos USA). Ou seja, se você sofre um acidente e é internado, chega uma conta na sua casa. Só um atendimento de emergência custa cerca de 100 euros. Apesar disso, falta leitos hospitalares.

O governo também peca nas taxas, sendo o sétimo país com maior porcentagem retirada do salário individual e fica em segundo lugar na União Europeia em maiores preços no mercado.

Enquanto isso, cada vez mais multinacionais são abertas na capital Dublin e em outras cidades irlandesas. A Irlanda abriga nomes como Microsoft, Apple, Google, Facebook, etc, que são favorecidas com menos taxas do que em outros países europeus.

A este ponto o que podemos observar: apesar de a economia crescer e o desemprego diminuir, os irlandeses não estão felizes. Do que adianta uma economia forte se não há casa ou saúde disponíveis?

Nas urnas deste ano os irlandeses pensaram melhor e optaram dar ouvidos a uma opção diferente. O Sinn Fein não é maioria, mas já está fazendo barulho. Enquanto cresce, o SF é atacado pelos seus adversários, que usam o medo para relembrar o passado das lutas entre Irlanda e Reino Unido, quando o partido foi aliado ao IRA, exército republicano que defendia a união das Irlandas, mas já extinto há 15 anos.

No Brasil, o atual governo grita ser liberal e foca no discurso de uma economia forte, desprezando programas sociais. Acho que com o exemplo da Irlanda podemos dizer que nem toda economia forte faz um país justo e satisfatório para seus cidadãos.

A Irlanda é parlamentarista e nesse caso é preciso uma coalizão de metade das 160 cadeiras do Parlamento falando a mesma língua para que se crie um governo e se eleja o Taoiseach. Se esse acordo não existir, é possível que se chame novas eleições. Sim, o povo escolhe novamente para ter certeza do que quer. Nesse caso, eu confesso, é muito melhor que um impeachment.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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