“In Extremis” (38): E por falar em saudade...

Por Cecílio Elias Netto | 18/02/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Sinais dos tempos, eterno retorno? Ou maravilha da natureza em seu interminável e contínuo vir a ser? A verdade, porém – que, sempre, nos foge – está no somatório de tudo isso e do mistério que nos fascina. A cada novo que surge, o ser humano é estremecido em seu porto seguro. É como se lhe surgisse um perigo à vista, um não sei quê. Parece, então, ser quando todos os nossos referenciais afloram, como se querendo ajudar-nos a encontrar ou a rever caminhos. Estariam, então, as respostas no antes do novo? O passado explicaria o que está chegando?

Sim. Temos que acreditar e confiar nisso. O passado explica, orienta, fornece pistas. E um de seus nomes é história. E dois outros podem ser chamados de saudade ou, simplesmente, de lembranças. Pois não há quem não os tenha, quem não os viva e reviva. Se mais lucidamente pensássemos, poderíamos admitir sejam lâmpadas que clareiam momentos de trevas, auxílios de advertência para – diante da evolução e revolução dos costumes – tomarmos decisões.

Refleti, ainda mais profundamente, nisso, ao, incidentalmente, ver um programa de televisão num canal alternativo. Zapeando – é assim que se fala quando se procura algo para ver na tevê? – deparei com pessoas que, emocionadamente, falavam de saudade. Eram profissionais de diversas áreas – cineastas, poetas, homens públicos, escritores – dizendo da variada saudade que sentiam. De um doce da avó, de um perfume, de certa música, de uma paisagem… E contavam-no de maneira melancólica.

Ora, acostumei-me – em minhas indagações pessoais – a procurar respostas que, mesmo não seguindo consensos, possam, pelo menos, satisfazer-me intimamente. Nem que sejam paliativas, mesmo porque – na sociedade estupidificada que criamos – as curas d´alma são quase uma utopia. Paliativos têm, pelo menos, a vantagem de continuarmos em busca do melhor. Penso, assim, ter resolvido – para mim mesmo – a ingente aflição da saudade.

Pois, a partir de agora, não mais tenho aquelas suspirantes vontades de outra vez. Dolorosas, doídas, quase sempre amargas. Vontade de outra vez, passarei a tê-la apenas de coisas do cotidiano de infância, de adolescência, por aí. Por exemplo: terei, até o último suspiro, saudade de passear de bonde ao lado de meu pai. De sentir o cheiro – então suave, não acidulado como agora – do rio, quando o bonde atravessava a ponte. Saudade, vontade de, outra vez, comer maria-mole do Bento Chulé. Vontade de saltar do trampolim do antigo Regatas. Saudade, pois, de coisas assim.

Tudo o que ou de quem me tragam saudade – vou transformar em lembranças. Em doces, suaves, confortadoras lembranças. Apenas lembranças. Que me levem a render graças pelo quanto enriqueceram a existência. Lembranças de meus pais, de minha família, de amiguinhos; lembranças da descoberta do amor, da primeira namorada, de serestas apaixonadas, de roubar flor em jardins alheios. Lembranças do primeiro casamento, de tantos sonhos, da lua de mel, dos filhos que nasceram, dos netos que vieram, de amizades, de luares inesquecíveis, de cada por de sol em horizontes mais límpidos.

Na verdade, na verdade – neste meu crepúsculo – a não ser desimportâncias, nada quero outra vez. Recuso-me a essa saudade de retorno, de vontade de voltar ou de que o passado venha ao meu encontro. Quero, apenas, viver e reviver lembranças de mim, do quanto viver é uma aventura indescritível. Por isso, por falar em saudade, fico, em silêncio, roubando a Neruda sua canção: “Confesso que vivi!” E como tem sido revelador! “Deo gratias”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.