O levante de Madonna

Por Rubinho Vitti | 31/01/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Era uma noite qualquer de 1993. Eu tinha oito anos e estava deitado na cama com minha mãe vendo TV. Madonna, aos 30, tinha se apresentado no Brasil pela primeira vez com a turnê The Girlie Show e um especial era exibido na Globo. Ela estava mais sexy e vibrante do que nunca. Depois de muito sutiã à mostra, caras, bocas e reboladas, ela faz uma coreografia com um gesto meio indiano, unindo o dedo indicador ao polegar. Foi o basta para minha mãe: “olha lá, ela está mandando todo mundo tomar naquele lugar”. E BAM! Desligou a televisão. Essa foi a primeira vez que ouvi falar daquela mulher poderosa, sexy e aparentemente não tão bem-vista pelas donas de casa.

Passou-se 27 anos desde aquele fato. Minha mãe agora simpatiza por Madonna e eu não saio de nenhuma boate sem antes pedir uma música dela para o DJ. E se a introdução fala sobre a primeira vez que a vi na vida, o texto fala sobre a última. Na semana passada, fui um dos privilegiados que conseguiram ver o show da sua nova turnê, Madame X. Privilegiado porque, mesmo com um ingresso comprado, não era certeza de que veria o concerto. Com problemas no joelho, ela já havia cancelado shows nos EUA e o mesmo aconteceu em dois dos oito shows programados no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para onde viajei para vê-la. O meu ingresso era para a última apresentação na capital portuguesa e só algumas horas antes do início ela confirmou que subiria ao palco.

Eu já havia visto um show de Madonna em 2012, em um Morumbi lotado com 90 mil pessoas. Desta vez era um teatro com no máximo de 4.000 assentos, o que fez o show ser mais intimista, mas não menos poderoso. A Madonna “rainha”, intocável, deu lugar a uma outra mais simpática, comunicativa, que conversou com o público o tempo todo. Além disso, sem poder usar celulares, o foco foi 100% na apresentação.

Madonna também encarna vários personagens durante quase três horas. No início, como uma “escritora”, transforma as teclas de sua máquina de escrever em uma arma. A cada teclada, um tiro. “Os artistas estão aqui para perturbar a paz”, parafraseava James Baldwin antes de cantar God Control, uma espécie de canção-manifesto contra o armamento nos EUA.

Em uma persona mais “burlesca”, Madonna transforma o palco em um verdadeiro bar de fado, já que o álbum foi todo concebido em Portugal, país onde morou por um tempo. Em outro momento mágico, 15 mulheres de Cabo Verde entram no palco e em um semicírculo cantaram e batucaram com Madonna ao centro.

Os antigos sucessos também aparecem. Em Frozen, o momento mais emblemático, uma tela transparente fica entre ela e o público e uma projeção leva sua filha, Lourdes Maria, a contracenar virtualmente com a mãe em uma das performances mais lindas que já vi na vida.

Cosmopolita, iluminado, denso, o show é como um ato de escapismo, mas que em vez de te tirar da realidade, intensifica-a de forma lúdica e poderosa. No palco, Madonna é gigante e, no alto de sua grandeza, ela encerra sua apresentação mais política do que nunca. Após uma imensa bandeira do arco-íris subir ao fundo, enquanto canta I Rise (eu me levanto), ela ergue seus punhos cerrados e cruza o corredor do teatro até a saída. A um metro da gente, mostra que é pequenina, uma “pirralha” que ainda quer mudar o mundo com sua arte. Madonna, tenho boas notícias! Você já mudou.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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