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21 de maio de 2024

ELEIÇÕES

Artigo: Bangue-Bangue político opõe Cury e Emanuel versus Anderson e Felicio em S. José

Como em uma história de western spaghetti, ex-aliados tornam-se rivais e duelam pela cidade. Após definição de Cury, tendência é de aumento na temperatura e muito tiroteio verbal

Por Guilhermo Codazzi, editor-chefe de OVALE
São José dos Campos

12/04/2024 - Tempo de leitura: 7 min

Reprodução

Cena do clássico do western 'Três Homens em Conflito'

Do meu pai, além da paixão pelo Corinthians e do apreço pelos livros, herdei o amor pelo jornalismo, pela política e por velhos filmes de faroeste, de preferência com trilha sonora de Ennio Morricone e direção de Sérgio Leone, ícones do western spaghetti ou 'bangue-bangue à italiana'.

Marco da sétima arte dos anos 60 e 70, com estrelas do quilate de Clint Eastwood e Lee Van Cleef, o western spaghetti caracterizou-se por produções de baixo custo, mas com cenários exuberantes, roteiros repletos de heróis, anti-heróis e vilões, com histórias de ganância, vingança e redenção. Ah, e muitos tiros.

Bem, mas se os grandes clássicos do gênero foram gravados na Espanha e na Itália, hoje podemos dizer sem medo de errar -- com pontaria à lá Charles Bronson em 'Era uma vez no Oeste' (1968) -- que uma trilogia de bangue-bangue estará em cartaz nas urnas em São José dos Campos.

E não se trata de uma produção qualquer, é uma eleição de cinema. Ao final de três atos, esse 'bangue-bangue à bolinho caipira' põe frente a frente, em um duelo eletrizante, antigos companheiros que tornaram-se rivais, focados agora em sacar primeiro e (re)conquistar a cidade, que ficou pequena demais para os dois.

De um lado, com a estrela do PL no peito, está o ex-prefeito Eduardo Cury, ladeado por Emanuel Fernandes, antigo e respeitado ex-xerife, que voltou à baila após 10 anos e se refiliou ao PSDB, com 'sangue nos olhos' e sede de vingança -- ele não gosta nem sequer de ouvir o nome dos rivais.

Do outro lado, partindo para o seu primeiro duelo como cabeça de chapa, o prefeito Anderson Farias (PSD), cada vez mais investido no papel de 'xerifão', tem como desafio atrelar o seu nome à boa avaliação do governo, que herdou após a renúncia de Felicio Ramuth, vice-governador de São Paulo e seu maior aliado.

Depois de duas eleições tranquilas, vencidas por Felicio no primeiro turno, em 2016 e 2020, com o apoio de Emanuel, Cury e Anderson, o cenário mudou radicalmente, transformando-se em um jogo fratricida. Após décadas de embate PSDB e PT, ao que tudo indica, dois ex-tucanos que já não se bicam e mudaram de plumagem estarão em rota de colisão, com desafio final marcado para outubro deste ano.

Quem vencerá o duelo? O trailer já está em exibição e as caixas de ferramentas já estão sendo abertas. 

TRILOGIA.
Mas, se hoje estão em lados opostos, a verdade é que os dois lados já estiveram juntos. E não foi por um período breve, durou quase toda a primeira parte da trilogia desta história, iniciada com a vitória de Emanuel em 1996, sendo reeleito prefeito em 2000 e permanecendo no Paço Municipal por oito anos (1997-2004). Era o início da dinastia do PSDB.

O segundo capítulo, escrito entre os anos de 2005 e 2012, teve Cury como protagonista. Ex-secretário de Emanuel, coube a ele vencer o PT em duas eleições e, com os novos triunfos tucanos, cumprir dois mandatos, totalizando oito anos.

Na sequência, após o revés tucano com Alexandre Blanco em 2012, quando o hoje 'ex-enteado' de Emanuel e hoje aliado de Anderson sucumbiu ao duelo com Carlinhos Almeida (PT), foi a vez de Felicio assumir o protagonismo.

Com apoio de Emanuel e Cury, que apareciam ao seu lado nos santinhos de campanha, o hoje vice-governador de São Paulo venceu Carlinhos em 2016 e devolveu o Paço ao PSDB, partido pelo qual se reelegeu em 2020, em uma chapa-pura tendo como vice Anderson, à época também tucano.

PLOT TWIST.
Após vencer seis das sete últimas eleições para prefeito em São José, o PSDB parecia ter a dinastia sob controle, com Anderson colocando-se naturalmente como o nome para sucessão de Felicio em 2024, certo? Reviravolta! Aí é que entra o ponto de inflexão da história...

Em abril de 2022, justificando que o PSDB de João Doria e companhia "havia saído dele", Felicio renunciou ao cargo de prefeito de São José e migrou com Anderson para o PSD de Gilberto Kassab, de olho em uma vaga na disputa para governador -- se elegeu como vice na chapa encabeçada por Tarcísio de Freitas (Republicanos). De quebra, Felicio e Anderson levaram centenas de correligionários.

Ali, sentindo-se traído, Cury disparou, dizendo que estava "surpreso" e "triste" com a decisão de Felicio, que havia "abandonado" a cidade por um projeto pessoal, destacando que, ao lado de Emanuel, tentou demover o ex-aliado da decisão. Relação estremecida.

De lá pra cá, o que se viu foi um distanciamento cada vez maior dos antigos aliados. Para tentar neutralizar o risco de ter os antigos aliados como rivais, Felicio e Anderson tentaram colocar panos quentes, com declarações como 'Emanuel e Cury fazem parte do nosso time', evitando ataques diretos.

DEDO NO GATILHO.
Pois é, mas agora sobe a trilha sonora de tensão. É, porque o quadro mudou drásticamente nos últimos dias, deixando claro que até outubro a artilharia vai ser pesada. O tom mudou após a filiação de Cury ao PL de Bolsonaro, cena que surpreendeu parte do Paço, que acreditava na permanência do ex-prefeito no PSDB -- Felicio até tentou uma manobra para desestimular Cury a ir para a briga, como revelou OVALE.

Agora, apesar de Cury manter o discurso de que ainda vai decidir se será ou não candidato, nos bastidores do Paço o entendimento é de que agora ele estará na disputa e, por isso, já virou vidraça. Do Teatro Invertido para baixo é canela, diria o outro.

Dias após dizer que Cury era do seu time, em entrevista exclusiva na sede de OVALE, Felicio foi o primeiro a disparar. Em entrevista à Jovem Pan nesta quinta-feira, ele criticou o ex-aliado: “Fica a impressão de que fez algum movimento que não deu certo e volta, não pelo interesse da cidade, mas pessoal, de vaidade. Essa é minha opinião”, disse.

A resposta veio rápido. Nesta sexta, em entrevista à CBN Vale, o prefeito Izaias Santana (PSDB), de Jacareí, classificou as declarações de Felicio como "ingratas, deselegantes, grosseiras e antiéticas".

Com os protagonistas do duelo ainda no estilo filme mudo, coube aos coadjuvantes os primeiros sinais de que a disputa pelo espólio tucano em São José vai ter muito chumbo trocado, no melhor estilo da famosa 'Trilogia dos Dólares', dos anos 1960, conhecida também como a 'Trilogia do Homem sem Nome'.

PRÓXIMAS CENAS.
Se de um lado, como disse Emanuel a OVALE, o grupo de oposição faz um mapeamento dos problemas da cidade e quer comparar gestões, do outro, no Paço, há quem diga que a eleição vai ter 'menos Mané, mais Brasil' -- traduzindo, menos Emanuel ou São José, mais polarização política, bolsonarismo, etc.

E quem terá a primazia do discurso bolsonarista? Cury, agora correligionário do ex-presidente, que vê Kassab como desafeto? Ou Anderson, que tem apostado em uma figura de xerifão e, após já ter dito que não era nem 'L' [Lula] e nem 'B' [Bolsonaro], hoje tornou-se bolsonarista de carteirinha?

A população ainda se lembra dos feitos de Emanuel e Cury? Eles estão conectados às novas formas de duelo, em que redes disparam mais tiros do que uma Colt 45? O grupo de Anderson conseguirá desconstruir os antigos aliados?

Há espaço para outras vias? A seis meses da eleição, como mostrou reportagem de OVALE, há oito pré-candidatos.

PIPOCA E COLETE.

Na próxima semana, OVALE publicará mais dois capítulos desta análise pré-eleitoral em forma de trilogia. É bom preparar a pipoca e também um colete à prova de 'santinhos', caro (e)leitor, porque o bangue-bangue só está começando...

E, por fim, deixo uma dica de filme: 'Três Homens em Conflito', de 1966, capítulo dois da Trilogia dos Dólares. O longa, que tem o título original 'O Bom, o Mau e o Feio', é um clássico absoluto. A cena final, em que os personagens tem um duelo triplo, se assemelha ao cenário do nosso western local.

Curiosamente, Anderson enfrentará Cury e Emanuel. Cury enfrentará Anderson e Felicio. Cabe ao eleitor definir quem ficará com o papel do 'Bom', do 'Mau' e do 'Feio'. Bom filme.