Ideias

Trump, Bolsonaro e um copo de vodka

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e da Gazeta de Taubaté |
| Tempo de leitura: 2 min
Artigo
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O ano é 1984.

Sob o olhar do garçom, dois homens estão debruçados no balcão de um bar qualquer em uma noite agitada. Um deles, aparentando estar mais relaxado, veste um roupão confortável. Já o outro, mais preocupado, está com um tradicional smoking branco, com gravata borboleta preta. Ao fundo, ao som de um piano, o jazz dá o tom.

Então, trava-se o seguinte diálogo: "Um momento, é Orloff?", questiona o homem de roupão.

Surpreso, o rapaz do smoking pergunta: "mas quem é você?".

"Eu sou você amanhã. Com licença, garçom troca por Orloff", responde o relaxado (e atrevido) boêmio, já tirando das mãos do amigo a bebida que tomava.

"Mas não são todas iguais?", retrucou o almofadinha.

"Não, Orloff custa um pouco mais, mas amanhã você não se arrepende", disse o descontraído interlocutor, antes de ouvir a pergunta do companheiro de copo. "Mas quem é você?".

E ele respondeu:

"Eu sou você amanhã".

A música sobe. O comercial é finalizado, então, com o slogan: "Pense em você amanhã, exija Orloff hoje".

Sou abstêmio, mas sou obrigado a admitir: essa marca de vodka, tão conhecida nos anos 80, pode nos ajudar a entender esse mundo em que estamos, mais de 36 anos depois.

Como em uma distopia, no melhor estilo '1984', do genial escritor George Orwell (1903-1950), o planeta assiste o avanço perigoso de movimentos antidemocráticos, negacionistas, autoritários e violentos, conduzidos por líderes popularescos sem compromisso algum com os fatos.

A invasão ao Capitólio, ocorrida no último dia 6, insuflada pelo discurso infame, mentiroso e ignóbil de Donald Trump, é exemplo disso. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro -- sem prova alguma -- endossou as suspeitas do republicano, a quem imita, e ameaçou: "Se nós não tivermos o voto impresso em 22 [na eleição de 2022], uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos".

Diante do exposto, seria a invasão do Capitólio o Brasil de 2022 -- o "eu sou você amanhã?".

Nesse caso, pense no Brasil de amanhã, exija democracia hoje.

Ou 2022 pode virar 1984. E com direito a uma ressaca histórica.

OBRA-PRIMA

Em '1984' (de 1949), o autor descreve um mundo sob vigilância permanente e manipulação constante de informações.

AMBIDESTRA

Como em 'A Revolução dos Bichos' (1945), o autor critica o totalitarismo soviético, mas hoje ela cai como uma luva ambidestra.

LITERATURA

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